«Se não me engano, foi Cúrio Dentado que disse que preferia morrer do que viver morto: o pior dos males é sair do mundo dos vivos antes de morrer. Mas, se vivemos num tempo em que a vida pública é intratável, devemos dedicar-nos sobretudo ao ócio e às letras, tal como, numa perigosa travessia, se anseia constantemente alcançar o porto; nem esperes que os assuntos te abandonem, liberta-te deles por ti próprio.» (*)
Este conselho de Séneca deve ter ficado tão bem gravado no meu espírito que agora, ao relê-lo, me apercebo que é exactamente o que tenho feito ultimamente, ou seja, que não tenho esperado que os assuntos públicos, de entre os quais os da política diária, (ou talvez fosse mais apropriado dizer, da politiquice diária) me abandonem, mas que tenho sido eu a libertar-me deles, não acrescentando nem mais uma linha ao que escrevi há alguns meses sobre o que me parecia verdadeiramente importante para o nosso futuro enquanto país. E é o todo que continua a interessar-me, não os “fait divers”.
(*) Lúcio Aneu Séneca, in A Felicidade e a Tranquilidade da Alma, Ésquilo Edições, Lisboa, 1.ª edição, 2006, p. 78, V. 5.
2 comentários:
Na verdade o país está a ser suicidado
Como temos posições políticas diferentes, não posso estar de acordo com a afirmação, como, aliás, deixei expresso aqui quando abordei, em Maio passado, o conteúdo do memorando de entendimento e, posteriormente, quando me referi ao programa deste governo. Agora aproveitei o texto de Séneca para, implicitamente, dizer que continuava a pensar da mesma maneira e que, por isso, não há nada para acrescentar senão conceder o tempo necessário para que as reformas do Estado comecem a surtir efeito, resistindo à demagogia e aos "faits-divers" diários, que podem perturbar os menos resistentes e os menos convictos dos seus ideais para o país.
Transcrevo um texto de António Pinho Vargas que acabei de ler no FB, e que pode mostrar o estado de espírito de muito boa gente nos dias que correm: «Suspeito que existe um conluio secreto entre os noticiários das televisões com o objectivo de construirem em conjunto a desmoralização individual e colectiva e a consequente paralisia neurótica das populações. Por isso, tenho conseguido apenas ler um jornal por dia - por vezes breves minutos chegam - e evitado totalmente as notícias das TVs e todo e qualquer debate. Prefiro ler o fim do mundo no dia seguinte.
É uma alternativa sem dúvida pouco ambiciosa mas permite escapar à marcha cega pelos caminhos do habitual que praticam incansavelmente há meses. Mesmo assim, três ou quatro dias sem ver, nem um segundo que seja, é o suficiente para sentir diminuirem consideravelmente os impulsos destrutivos que eles - o poder - procuram espalhar.
Recusemos os caminhos do habitual que praticam diariamente e a sua marcha depressiva e progressiva. Se existem anti-depressivos, há sem dúvida igualmente agências activas de depressão e atemorização de massas. Assim sendo é um prazer que nos resta: deixá-los a falar sozinhos.
No dia seguinte verificamos no jornal que afinal não se passou nada de especialmente diferente daquilo que se passa há muitos meses e vários anos ou então poderemos, no dia seguinte, verificar a tempo que o mundo vai acabar ou mesmo que já acabou. Creio que será uma notícia de capa inteira na primeira página. Irei muito a tempo de ler as reacções ao acontecimento que aguardo com enorme expectativa: o fim "deste" mundo.» Como vê, até o António Pinho Vargas tem necessidade, para a sua própria sanidade mental, de fazer o que Séneca aconselha.
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