terça-feira, 23 de setembro de 2008

Tropelias do homem-massa

A propósito das consequências dos disparates de uns poucos que afectam muitos, e não interessa já se o disparate é local pois a consequência é global dada a forma como temos organizado as sociedades, convém recordar o que Ortega y Gasset disse em A Rebeliâo das Massas, publicado em 1930 (de que transcrevo alguns excertos abaixo) e que, tragicamente, se mantém actual porque continuamos a não aprender com os erros e não queremos saber das consequências dos nossos actos, seja de que índole forem, por irresponsabilidade se não mesmo por estupidez e incompetência. É o que acontece quando o homem-massa chega ao poder, a qualquer tipo de poder (político, financeiro, jornalístico, económico, judicial, etc.).
Segundo Gasset, "pode caracterizar-se o homem-massa como aquele que não quer dar razão nem quer ter razão, mas que simplesmente se mostra resolvido a impôr as suas opiniões. E é isto que é novo: o direito a não ter razão, a razão da sem-razão" (p.84/85). "A massa arrasa tudo o que é diferente, egrégio, individual, qualificado e selecto" (p.45).
E diz mais (p.102):
"... o novo facto social que aqui se analisa é este: a história europeia parece, pela primeira vez, entregue à decisão do homem vulgar enquanto tal. Ou dito na voz activa: o homem vulgar, antes dirigido, resolveu governar o mundo ...
Se, atendendo aos efeitos de vida pública, se estuda a estrutura psicológica deste novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: primeiro, uma impressão nativa e radical de que a vida é fácil, sobrada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio encontra em si uma sensação de domínio e triunfo que, segundo, o convida a afirmar-se a si mesmo tal qual é, a dar por bom e completo o seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo próprio leva-o a fechar-se a qualquer instância exterior, a não ouvir, a não pôr em causa as suas opiniões e a não contar com os outros ..., portanto, terceiro, intervirá em tudo impondo a sua opinião vulgar, sem consideração, contemplação, trâmites ou reservas, quer dizer, segundo um regime de "acção directa"."
(p.119/120):
"O estado contemporâneo é o produto mais visível e notório da civilização. E é muito interessante, é revelador, precatar-se da atitude que ante ele adopta o homem-massa. Este vê-o, admira-o, sabe que está aí, assegurando a sua vida ...
Por outro lado, o homem-massa vê no estado um poder anónimo e, como ele, sente-se a si mesmo anónimo - vulgo -, crê que o estado é coisa sua. Imagine-se que sobrevém qualquer dificuldade, conflito ou problema na vida pública dum país: o homem-massa tenderá a exigir que o estado o assuma imediatamente, que se encarregue directamente de o resolver com os seus gigantescos e incontrastáveis meios.
É este o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estatificação da vida, o intervencionismo do estado, a absorção de toda a espontaneidade social pelo estado; quer dizer, a anulação da espontaneidade histórica que, em definitivo, sustém, nutre e empurra os destinos humanos. Quando a massa sente alguma desventura, ou simplesmente algum apetite forte, é uma grande tentação para ela essa permanente e segura possibilidade de conseguir tudo - sem esforço, luta, dúvida ou risco - com apenas tocar na mola e fazer funcionar a máquina portentosa. A massa diz para si: "o estado sou eu", o que é um perfeito erro. Estado contemporâneo e massa coincidem só em ser anónimos. Mas o facto é que o homem-massa crê, com efeito, que ele é o estado, e tenderá cada vez mais a fazê-lo funcionar com qualquer pretexto, a esmagar com ele toda a minoria criadora que o perturbe - que o perturbe em qualquer ordem: em política, em ideias, em indústria.
O resultado desta tendência será fatal. (...) A sociedade terá de viver para o estado; o homem, para a máquina do governo. E como em última análise não é senão uma máquina cuja existência e manutenção dependem da vitalidade circundante que a mantiver, o estado, depois de chupar o tutano à sociedade, ficará héctico, esquelético, morto com essa morte ferrugenta da máquina, muito mais cadavérica que a do organismo vivo".
(in Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas, Círculo de Leitores, 1989, original de 1930)

domingo, 7 de setembro de 2008

Manuela Ferreira Leite falou e não disse nada de novo

Para que servem as palavras quando estamos de ideias fixas? Para nos insultarmos, e nada mais.
Manuela Ferreira Leite esteve um mês sem dizer palavra em público, segundo os que fazem essa contabilidade, e retomou-a agora para insultar a nossa inteligência - a senhora parece ser de ideias fixas. Ideias que podem ser inteligentes e inteligíveis para si própria, mas que não constituem qualquer mais-valia ao paradigma político actual, pois não acrescentam nada de novo nem de positivo.
As ideias também acabam por ter o seu domingo. Deve ser isso.