quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Suspensão da democracia - sonho ou pesadelo?

E se puséssemos a realidade entre parêntesis durante seis meses, o que é que poderíamos transformar ou reformar? Não estou a falar da epoché fenomenológica de Husserl, mas da epoché aplicada à nossa realidade política e administrativa, mais concretamente ao regime democrático. Colocado este entre parêntesis, ou suspenso, durante seis meses, poderíamos, por exemplo, decretar o despedimento colectivo dos professores, a sua desvinculação da função pública, dar às escolas toda a capacidade de contratar e despedir professores consoante as suas necessidades e com base nos respectivos "curricula", seleccionando as escolas os melhores professores para os seus objectivos e padrões bastante elevados.
Isso reduziria o número de funcionários públicos, o que seria bom para o Orçamento Geral do Estado, os impostos desceriam, aumentaria o grau de exigência das escolas face aos professores e destes face aos alunos, o que seria bom para o País.
Depois acordei e continuei a ouvir a vozearia das últimas semanas e a marcação de mais uma greve da função pública.
Voltei-me para o outro lado e tentei sonhar com outros decretos reformadores.

sábado, 15 de novembro de 2008

Educação,Instrução,Formação,Cultura não são sinónimos

Jean-Paul Sartre mostrou-se encantado por ter observado na península ibérica uma das educações infantis menos repressivas que existiam.
Essa educação consiste na adulação permanente da criança-rei (sobretudo os meninos e hoje também as meninas), o que constitui uma porta aberta para as suas pulsões narcisistas e exibicionistas, para a afirmação egoísta de si, e em nada contribui para a existência de um comportamento autodeterminado e equilibrado na percepção de si e do outro.
Esse tipo de educação traduz-se, na adolescência, numa indefinição do espaço humano que nada limita e define senão a vontade oposta, o que pode dar origem a uma sociedade que suscite e imponha uma intervenção estatal que, de algum modo, equilibre essa falsa "realeza" individual, mas que pode também, e muitas vezes, descambar em facilitismos e em nivelamentos por baixo, o que é desastroso e quase epidémico, com reflexos em várias gerações. Aliás, a sociedade portuguesa não é a única que não consegue resistir a esse impulso de ocupar um lugar que exija o mínimo de esforço e o máximo de promoção social segundo a norma do "parecer". E bem podemos esperar sentados a almejada mudança dessa coisa obscura chamada "mentalidade" que, não sendo da ordem do político, implica-o. A mentalidade de ricos sem tostão faz parte duma estrutura global, e mesmo que a realidade mostre o contrário ou que uma catástrofe esteja iminente, não a conseguem alterar. Se Freud tivesse tido oportunidade de nos conhecer, descobriria um povo em que é patente o triunfo do princípio do prazer sobre o princípio da realidade.

sábado, 1 de novembro de 2008

Os governos e os pareceres

Os que criticam os governos por pedirem tantos pareceres a entidades ou pessoas exteriores ao seu círculo e ao funcionalismo público, poderão encontrar algumas respostas para esse procedimento neste excerto de "O Príncipe" de Nicolau Maquiavel, que era um profundo conhecedor da natureza humana.
Cap. XXIII - Como se deve fugir dos lisonjeadores (Quomodo adulatores sint fugiendi)
"Não desejo esquecer um grande erro respeitante a uma matéria de importância, do qual os príncipes raramente se defendem, se não são muito sábios ou sensatos ao fazer uma escolha. Trata-se dos aduladores, dos quais as cortes estão cheias. Os homens comprazem-se tanto consigo próprios e têm ideias tão lisonjeiras a seu respeito que dificilmente escapam a esta praga - da qual, se dela pretendem defender-se, pode surgir outro perigo: o de serem desprezados. Não há outro meio de fugir às adulações senão dando a entender às pessoas que não te desagradarão se disserem a verdade; mas, se todos te puderem dizer a verdade, desaparece a deferência. Por isso, o príncipe prudente deve recorrer a um terceiro meio e escolher no seu Estado pessoas sensatas que serão as únicas às quais concederá a liberdade de lhe dizerem a verdade, mas somente a verdade acerca do que lhes perguntar e não de outras coisas. Deverá, no entanto, interrogá-las acerca de tudo, ouvir as suas opiniões e depois decidir baseado nelas, mas por si e à sua maneira. No modo como aceitar esse conselho e como proceder em relação a cada uma dessas pessoas, em particular, deve demonstrar-lhes que quanto mais livremente lhe falarem mais agradáveis lhe serão. Além dessas pessoas, não deverá ouvir outras e convirá que cumpra sempre o que resolver e seja íntegro nas suas resoluções. Quem procede de outro modo, ou se deixa perder pelos aduladores, ou muda frequentemente de opinião, conforme a diversidade daqueles a quem dá ouvidos; daí resulta tornar-se pouco estimado.
Portanto, um príncipe deve sempre aconselhar-se, mas quando quer e não quando os outros querem, e deve tirar a todos a vontade de lhe darem conselhos que não pede.
Deve também, por seu lado, pedi-los sem parcimónia e escutar pacientemente todas as verdades, e se descobrir que alguém, por respeito, não lhas diz, mostrar-se zangado."
(...)