quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Novo ano, as mesmas vidas

Enquanto se fazem balanços de anos passados e previsões para anos futuros, continuamos com as nossas duas vidas, a verdadeira e a falsa, dualismo que Fernando Pessoa abordou assim:
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
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Fernando Pessoa

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Depressão no Natal ou "Natalite"

S., pessoa que sofre de doença depressiva, nos períodos natalícios fecha-se em casa porque não aguenta ver as pessoas, quais baratas tontas, a correr de um lado para outro às compras, carregadas de sacos e de cansaço, muitas com olhar alienado, fisionomia inexpressiva, parecendo mais contrariadas do que felizes com todo este corrupio e, quando questionadas sobre o significado do Natal, ficam a olhar para o questionador como se lhes tivessem perguntado a fórmula química de um qualquer elemento raro.
É que S. é demasiado sensível e não consegue ser um mero espectador deste "nonsense" que ataca as massas, e que lhe provoca um sofrimento temporariamente inultrapassável que só o isolamento atenua.
Creio que haverá muitos S. por esse mundo fora, a quem, a única coisa que desejo é que consigam passar à fase seguinte na racionalização deste e doutros comportamentos das massas, de modo a que as possam ver como realmente elas se mostram - dignas de pena.
Muitas delas sairão deste período também tristes, senão destroçadas, porque as suas expectativas foram completamente frustradas quer pela família, quer pelos amigos, quer pelas prendas que deram e receberam, quer pelo cansaço, o que não é motivo de regozijo para ninguém, mas também parece não ser razão para alterar comportamentos porque, no Natal seguinte, fazem exactamente o mesmo.
Abraços para todos os S.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992)-homenagem

História trágico marítima, quadro de 1944, exposto no Centro de Arte Moderna José Azeredo Perdigão, Lisboa, Portugal

sábado, 20 de dezembro de 2008

Thomas Jefferson sobre os Bancos em 1802


"I believe that banking institutions are more dangerous to our liberties than standing armies. If the American people ever allow private banks to control the issue of their currency, first by inflation, then by deflation, the banks and corporations that will grow up around the banks will deprive the people of all property until their children wake-up homeless on the continent their fathers conquered".

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Thomas Jefferson, 1802

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Desconforto natalício

Ele nasceu num estábulo porque recusaram casa e cama à sua família. Cresceu, carpinteirando com seu pai, na maior simplicidade. Nada escreveu, falava pouco e por parábolas.
Por que é que transformámos a Sua simplicidade numa ostentação que magoa a quem, como Ele, pouco tem?
Por que é que transformámos a Sua frugalidade em gula?
Por que é que esquecemos o essencial e privilegiamos o acessório?
Por que é que ficam sozinhos, com Ele e como Ele, os que não alinham com a maioria, com o rebanho que nada questiona e se limita a ir na onda, enchendo-se de futilidades?
Por que é que têm que se reunir pessoas da mesma família, que se maltratam ou ignoram durante o ano, para uma refeição que tem um simbolismo que desconhecem?
Por que é que nos esquecemos do Aniversariante?

sábado, 6 de dezembro de 2008

Nietzsche e os governantes

»E voltei as costas aos governantes quando vi o que eles chamam hoje governar: traficar e mercadejar o poder - com a gentalha!
»Vivi no meio dos povos de língua estrangeira, com os ouvidos fechados: para que a linguagem do seu comércio e dos seus negócios acerca do poder permanecesse estranha para mim.
Nietzsche, Assim falou Zaratustra

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

George Steiner, sobre o bom e o mau ensino e outras considerações

Ensinar com seriedade é lidar no que existe de mais vital num ser humano. É procurar acesso ao âmago da integridade de uma criança ou de um adulto. Um Mestre invade e pode devastar de modo a purificar e a reconstruir. O mau ensino, a rotina pedagógica, esse tipo de instrução que, conscientemente ou não, é cínico nos seus objectivos puramente utilitários, é ruinosa. Arranca a esperança pela raiz. O mau ensino é, quase literalmente, criminoso e, metaforicamente, um pecado. Diminui o aluno, reduz a uma inanidade cinzenta a matéria apresentada. Derrama sobre a sensibilidade da criança ou do adulto o mais corrosivo dos ácidos, o tédio, o metano do ennui. Para milhões de pessoas, a matemática, a poesia, o pensamento lógico foram destruídos por um ensino inane, pela mediocridade, talvez subconscientemente vingativa, de pedagogos frustrados.(...)
Em termos estatísticos, o anti-ensino constitui praticamente a norma. Os bons professores - os que alimentam a chama nascente na alma do aluno - são talvez mais raros do que os músicos virtuosos ou os sábios. Entre os professores do ensino elementar, instrutores da mente e do corpo, são alarmantemente escassos os que têm plena consciência daquilo que está em jogo, do equilíbrio entre confiança e vulnerabilidade, da fusão orgânica entre responsabilidade e sensibilidade. Ovídeo lembra-nos: «Não há maior maravilha». De facto, como bem sabemos, a maioria daqueles a quem entregamos os nossos filhos nas escolas secundárias, a quem pedimos orientação e exemplo na academia, pouco mais são que amigáveis coveiros. Trabalham para reduzir os alunos ao seu próprio nível de fatigada indiferença. Não "revelam" Delfos - obscurecem-no.
Em contrapartida, o ideal do verdadeiro Mestre não é uma fantasia ou uma utopia romântica inalcançável. Os mais afortunados entre nós conheceram Mestres genuínos, fossem eles Sócrates ou Emerson, Nadia Boulanger ou Max Perutz. Muitas vezes permanecem anónimos: professores ou professoras isolados que, ao emprestarem determinado livro, ao permanecerem disponíveis após as aulas, despertam o talento de uma criança ou de um adolescente, põem em marcha uma obsessão.(...)
Eu diria que a nossa era é a da irreverência. As causas desta transformação fundamental são as da revolução política, da sublevação social (a célebre «rebelião das massas» de Ortega y Gasset), do cepticismo obrigatório nas ciências. A admiração, para evitar falar de reverência, passou de moda. Somos viciados na inveja, na difamação, no rebaixamento. Os nossos ídolos devem exibir cabeças de barro. Os louvores são principalmente dirigidos aos atletas, às estrelas pop, aos milionários ou aos reis do crime. A celebridade, que satura a nossa vida mediática, é o contrário da fama. Usar uma réplica da camisola do deus do futebol ou imitar o penteado do cantor da moda está nos antípodas da condição de discípulo. Correspondentemente, a noção de sábio roça o risível. A consciência é populista e igualitária, ou finge sê-lo. Qualquer tendência manifesta para uma elite, para essa aristocracia do intelecto que era uma evidência para Max Weber, não está longe de ser proscrita pela democratização do sistema de consumo de massas (ainda que esta democratização comporte, inquestionavelmente, emancipações, sinceridades e esperanças de primeira ordem).(...)
Nas relações mundanas, seculares, a nota prevalecente, muitas vezes fortemente americana, é a da impertinência e a da contestação. Os «monumentos de um intelecto que não envelhece», talvez até os nossos cérebros, estão cobertos de grafitti. Os estudantes levantam-se à entrada de quem? Plus de Maîtres proclamava um dos slogans que floresceram nos muros da Sorbonne, em 1968.(...)
Há que terminar com poesia. Ninguém reflectiu mais profundamente do que Nietzsche nas questões que procurei levantar:
Alerta, humanidade!
Que diz a profunda Meia-Noite?
«Eu dormia, eu dormia,
despertei de um sonho profundo.
O mundo é profundo,
e mais profundo do que o dia imaginava.
Profunda é a sua dor,
a alegria - mais profunda ainda que a aflição.
A dor diz: Passa e perece!
Mas toda a alegria procura a eternidade,
procura a profunda, profunda eternidade!»
in "As Lições dos Mestres", Gradiva, Lisboa, trad. Rui Pires Cabral, 2.ª edição, 2005