segunda-feira, 18 de julho de 2011

O ideal e o real

Esperava voltar aqui só depois da reunião da União Europeia (UE) da próxima quinta-feira, dia 21 de Julho, e que agora, mais do que nunca, são as que verdadeiramente interessam, mas aquela ideia luminosa que o Presidente da República, Cavaco Silva, partilhou ontem connosco, dizendo que gostaria que o euro se desvalorizasse face ao dólar para beneficiar as nossas exportações, e quando disse “nossas” referia-se apenas às exportações portuguesas, fez-me mudar de ideias, porque, lamentavelmente, esqueceu-se de aprofundar o seu pensamento, designadamente apontando os prós e contras de tal desvalorização, se a mesma fosse possível. Não referiu, portanto, que nem o Banco Central Europeu (BCE) tem um papel semelhante ao da Reserva Federal Americana, nem a UE constitui um Estado Federal, nem que o peso de Portugal (como, aliás, o da Grécia e da Irlanda), no conjunto das economias dos países da zona euro, é de apenas 2%. Mas admitamos que era possível desvalorizar o euro por um qualquer mecanismo que não fosse apenas o da lei do mercado, e que quem adquirisse os nossos produtos o faria a preços mais baixos e, por consequência, em maior quantidade, verificaríamos, por outro lado, se o valor do dólar fosse superior ao do euro, e como é em dólares que se transaccionam os produtos energéticos de que somos tão dependentes, que pagaríamos muito mais por eles, e como importamos mais do que exportamos, não será difícil prever onde tal nos levaria.

O papel do BCE é outro pormenor que o Sr. Presidente poderia ter desenvolvido, esclarecendo-nos, designadamente, sobre os seus estatutos. Todos já sabemos que ao menor sinal de que a inflação está a subir demasiado, e que, para a conter, lá vem o BCE a aumentar as taxas de juro, o que prejudica a vida das empresas e das famílias mais endividadas, e que estão já a contribuir para a redução do défice nacional através de um abaixamento nos seus rendimentos do trabalho. Ora, se fosse possível uma desvalorização do euro, a inflação dispararia e o BCE aplicaria a receita de sempre, novos aumentos nas taxas de juro e o correspondente agravamento das dificuldades na vida dessas famílias e empresas, ficando o dinheiro para financiar a economia ainda mais caro.

O Sr. Presidente certamente saberá que o défice do comércio externo da zona euro foi eliminado no passado mês de Maio com um aumento mais expressivo das exportações do que das importações, e que quem mais exporta e contribui para este desempenho positivo é a Alemanha e, que eu saiba, e podendo aumentá-las ainda mais com um euro mais fraco, não manifestaram tal vontade, e nem sequer estão tão dependentes das importações como nós, enquanto Portugal teve o sexto pior desempenho no comércio externo entre Janeiro e Abril. Mas, como sempre, nós somos ricos em ideias brilhantes. Quando nos convencermos de que é necessário trabalhar mais e melhor e falar menos, talvez vejamos a tal luz ao fundo do túnel.

Se o Sr. Presidente partilhasse as suas ideias luminosas num blogue, onde, se dissermos todos os disparates que nos passam pela cabeça, daí não vem grande mal ao país nem ao mundo, e ninguém é obrigado a lê-los, muito menos a dar-lhes importância, já no exercício de funções como as suas, exigia-se, no mínimo, como disse atrás, que esclarecesse os cidadãos sobre as implicações que uma tal medida poderia ter na vida das pessoas, porque uma coisa é o mundo ideal e, outra, o mundo real.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Tanto barulho para nada

Na sequência do que dizem ser um ataque à dívida soberana de Itália, a comissária europeia para a justiça disse hoje que é necessário desmantelar as agências de rating, outro qualquer disse que as agências de rating devem ser proibidas de avaliarem os Estados que tenham sido alvo de resgate, há ainda quem defenda que as agências não devem avaliar Estados mas, apenas, empresas e, para não se ficar atrás nesta cacofonia, Edite Estrela vai propor ao Parlamento Europeu que crie uma comissão de inquérito às agências de rating. Ideias para todos os gostos e sem qualquer possibilidade de eficácia, já que estas agências não podem ser desmanteladas, nem serem obrigadas a acatarem quaisquer restrições que constem do seu objecto social, uma vez que são empresas estrangeiras de direito privado, pelo que a única coisa que qualquer organização ou empresa europeia pode fazer é dispensar os seus serviços de notação, alegando, por exemplo, falta de rigor e de credibilidade nas suas avaliações que, muitos sabem, não passam de meras opiniões.

Mas todo este fogo de artifício palavroso não nos deve impedir de ver o problema original, e que foi o da incompetência dos governos dos diversos países agora em crise financeira que, pelo menos ao longo da última década, não fizeram outra coisa senão endividarem-se, bem como muitos dos respectivos cidadãos, o que resultou em défices descontrolados e em dívidas soberanas astronómicas, e, juntando a dívida pública à privada, chega-se a uma dívida externa sem nome. Podem bater à vontade nas agências de rating, na falta de ética dos seus funcionários, se isso os faz sentir mais felizes, mas a questão original não se resolve desse modo, mas corrigindo os erros do passado, gerindo com parcimónia e competência os dinheiros públicos, com transparência nas contas, cujos relatórios devem ser publicados com regularidade, e, se puderem ser vistos e analisados tanto pelos cidadãos de cada país como pelos investidores em geral, não há melhor forma de cada qual saber em que situação financeira se encontram e de decidirem por si mesmos se o investimento é arriscado ou não, o que acabaria por retirar a importância que agora é dada às agências de rating. Bem sei que a transparência não é algo que tenha muitos seguidores por esse mundo fora, ou não haveria tanta corrupção, mas quem quiser governar um país dentro de parâmetros éticos e de justiça social, não poderá deixar de o fazer, porque será essa transparência que lhe trará a credibilidade interna e externa, e não as palavras, os propósitos, as promessas, mesmo que assinados a sangue. Nem mesmo aqueles “sinais” para o exterior que, também hoje, Ângela Merkel pediu a Berlusconi que se esforçasse por dar, através de um plano de austeridade para atacar a crise italiana, antes que ela se torne em mais um problema para a credibilidade do euro, mas, como já vi em reptos idênticos anteriores, esses “sinais” não têm passado de sinais de fumo. Aliás, ela também disse que tinha muita confiança no governo italiano para resolver o problema das suas contas públicas, que é o que eu tenho ouvido, quase como regra, antes de um trambolhão ainda maior. Oxalá me engane desta vez.

sábado, 2 de julho de 2011

Depois do poema, uma sinfonia

Desde o dia 28 de Junho, em que tive acesso ao programa do governo para a presente legislatura, que o meu humor mais se tem parecido com o de alguém que sofra de doença bipolar. É que, numa primeira leitura, cuidadosa mas faseada, porque o documento tem 129 páginas em ficheiro pdf (já o passei para Word e ficou com 62 páginas, embora sem a beleza do logotipo da Presidência do Conselho de Ministros), e, concluída essa leitura, a minha alma parecia rejubilar. E se tinha comparado o Memorando de Entendimento a um poema, este programa só poderia compará-lo a uma sinfonia, o que, em conjunto, até pode dar uma excelente Ópera, dependendo da execução, ou seja, do maestro. E até nem mostra vestígios do novo acordo ortográfico, o que me trouxe à memória a minha mensagem a Pedro Passos Coelho, de 30/06/2010, em que sugeria como primeira medida a revogação do malfadado acordo. Por outro lado, como algumas das reformas do Estado propostas pelo governo são ainda para estudar e executar a médio e longo prazo, o entusiasmo quebrou um pouco, porque elas são necessárias, mas para ontem. Mas como as medidas calendarizadas no Memorando de Entendimento têm prioridade sobre quaisquer outras, e não pode ser de outra maneira, pois do rigor no seu cumprimento depende a continuação da entrada de dinheiro da UE e do FMI que permitem ao Estado pagar os salários dos funcionários públicos, bem como as reformas e pensões de todos os que dependem do Estado, além dos juros e empréstimos que se vão vencendo ao longo dos três anos da sua vigência, recuperei o entusiasmo, já que muitas reformas importantes também estão assinaladas neste documento e, aqui, a música é outra, porque, ou se atingem os objectivos e não faltará o dinheiro, ou não se atingem e o país entra em incumprimento, que é um eufemismo para bancarrota. Por conseguinte, nada de salários, pensões ou reformas, muito menos subsídios de férias e de Natal. E porque esta situação ainda se pode vir a verificar se não puxarmos todos para o mesmo lado e/ou se o maestro se mostrar incompetente, até já consigo relativizar a penalização que muitos vão ter com a introdução do imposto extraordinário sobre uma parte do subsídio de Natal deste ano, uma vez que, só poderá ficar escandalizado quem não tiver uma perspectiva total da situação económica e financeira do país e prefira continuar a vender ilusões ou a viver na ignorância dos factos.

Outra coisa que me fez muito bem, foi seguir o debate do programa do governo na Assembleia da República, onde achei interessantíssimo o contraste entre a bancada do governo e as dos deputados, a primeira quase repleta de gente nova e bem-educada, as segundas com os rostos de sempre e, alguns, com os velhos hábitos da gritaria e das afirmações a roçarem o insulto, situação que corrigiram no segundo dia de debate, o que prova, mais uma vez, que também se pode educar através do exemplo, até deputados.