sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Semana da Ciência e da Tecnologia com poemas de Eugénio Lisboa

Para assinalar a Semana Nacional da Ciência e da Tecnologia, que termina já no próximo Domingo, escolhi alguns poemas de Eugénio Lisboa, que os dedicou principalmente a alguns "gigantes" da Física e que se encontram no livro de poesia "O Ilimitável Oceano". Alguns dos eventos poderão ser encontrados na página da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica - Ciência Viva.
COPÉRNICO

O céu que viste era o céu
de Ptolomeu. Mas diferente
foi a forma de o olhar.
No modo de julgar, teu,
a Terra, astro movente,
demitiu-se de pensar
que era o centro do mundo:
assim ver, que abalo fundo!

GALILEU

As leis do movimento perscrutaste
com paciência e cândido olhar.
Com o mesmo olhar o vasto céu sondaste
humilde mas altivo no ousar.

KEPLER

O mundo próximo, à volta, apodrece.
Fome, mortal conflito e pestilência
turvam o dia mal amanhece.
Segura-se à pureza da ciência:
o curso aparente das estrelas,
seguindo matemática divina,
deriva, das rigorosas tabelas
do vasto cosmos, a curva sibilina.

NEWTON

Da qualidade oculta de tudo,
não cuido, nem sei. Não é de ofício
sério sabê-lo: o tudo é mudo
e forçar-lhe a fala é sério vício.
Dos fenómenos, deduzo leis
de movimento e destas derivo
qualidades e acções: vereis
que o saber, assim, avança, altivo.



Eugénio Lisboa

O Ilimitável Oceano”, Quasi, 2001

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Greve Geral: do que se trata? - texto de Filipe Oliveira

«Há nove anos tomei a feliz decisão de regressar a Portugal. Fui no entanto obrigado a adaptar-me a várias idiossincrasias lusas que me eram totalmente estranhas, como o concurso de ingresso na carreira docente baseado unicamente na classificação final da licenciatura (independentemente da instituição frequentada e sem qualquer aferição do seu grau de exigência) ou a promoção automática e sem concurso dos assistentes universitários – aquando da obtenção do grau de doutoramento – a professores. Uma outra especificidade que tenho alguma dificuldade em entender é o recurso sistemático à figura da "greve por um dia". O que se pretende exactamente? Um simples gesto simbólico? Greve que é greve e que tem força é a greve por tempo indeterminado, até se conseguir, à mesa de negociações, uma vantagem estratégica que resulta do prejuízo financeiro causado, dia após dia, pela paralisação.
Ainda no outro dia recordava com uma amiga a terrível greve dos transportes ocorrida em França em 1996, em que autocarros, metro e comboios pararam pura e simplesmente durante dois meses e meio. Foi durante um Inverno rigoroso, com muito gelo e neve. Faziam-se pausas em cafés para se aquecer um pouco antes de se seguir caminho, a pé. Mais recentemente, em Fevereiro de 2009, na sequência do anúncio por Nicolas Sarkozy de um pacote de propostas que para além de ferir o estatuto dos investigadores e professores colocava também seriamente em causa a autonomia já precária de todo o sistema universitário, foi convocada uma greve nacional que durou praticamente todo o semestre. Chegou-se ao extremo de se ter de ameaçar os docentes com requisições civis para que vigiassem os exames de Junho. Praticamente em simultâneo, do outro lado do Atlântico, a Universidade de York, em Toronto, paralisava durante cerca de três meses, em protesto contra os contratos precários de professores e investigadores, muitos deles com reivindicações similares às da ABIC. Convém frisar que a Universidade de York é a terceira maior universidade do Canadá, com cerca de 50 000 alunos e 7500 funcionários.
É claro que em algumas destas situações os grevistas foram financiados pelos sindicatos, que se substituíram à entidade patronal no pagamento de remunerações. Possivelmente por cá os sindicatos não são tão fortes financeiramente, mas, ainda assim, se tivermos em conta o tom inflamado das reivindicações (e reconheçamos que a redução substancial e indiscriminada dos salários é uma das mais duras medidas que podemos imaginar) dificilmente se compreende que não consigam assegurar uma greve por mais de um dia. O que fazem os sindicatos das quotas dos seus associados? Foi com algum espanto que me apercebi de que nem o salário do dia 24 de Novembro, perdido pelos grevistas, é reembolsado. Por outro lado, uma parte dos visados por estas reduções salariais pertence a classes profissionais relativamente abastadas no contexto nacional. Certamente que a grande maioria de entre eles poderia autofinanciar-se durante um mês ou dois para fazer uma greve verdadeira.
Que se note que este texto não é um apelo à greve incondicional. Simplesmente não consigo perceber a estratégia de médio prazo por detrás destas acções "por um dia". Em todo o caso, pelo menos na Universidade, já percebi que se pode fazer um pouco de tudo sem grande oposição: modificar unilateralmente vínculos laborais, congelar carreiras durante anos, estabelecer os desejados sistemas de progressão pelo mérito para logo depois os congelar também, reduzir arbitrariamente os salários dos docentes e dos investigadores e fazer escassear o número de novos concursos, desencorajando um sem número de jovens muito promissores que vão vivendo graças a bolsas e contratos extremamente precários.»
Também AQUI

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dia Mundial da Filosofia

O Dia Mundial da Filosofia foi instituído pela UNESCO, órgão da ONU para a Ciência e Cultura, para ser celebrado na 3.ª quinta-feira do mês de Novembro, que, este ano, caiu no dia 18. E o aspecto relevante, por razões óbvias, nas comemorações deste ano, é o facto de o Irão ser a sede dessa celebração (segundo ficou acordado em 2008), de que, entretanto, a UNESCO resolveu dissociar-se, também por razões óbvias, e que já podiam ter sido colocadas em 2008, aquando do acordo, mas, enfim, depois de “choverem” protestos de académicos e de vários países europeus e dos EUA a solicitarem à directora-geral da organização do evento, Irina Bokova, para o cancelar, pois o Irão utilizá-lo-ia para fins políticos, a celebração foi marcada, para hoje, em Paris.
Convém referir que as autoridades iranianas afirmaram, em Outubro, que as Ciências Sociais e Humanas ocidentais eram perigosas para o Irão. E o Ministro da Pesquisa, Ciência e Tecnologia, anunciou o congelamento de quaisquer novos cursos académicos de disciplinas ocidentais, incluindo a Filosofia, até que os seus conteúdos sejam revistos. Fonte: AQUI  

Encerrado o capítulo político-diplomático, vamos à Filosofia. E como se fala tanto de moral e ética nos nossos dias, poderemos abordar, ainda que sucintamente algumas questões que elas nos colocam.

De que trata a Ética? - "Do que nos convém e do que não nos convém", responde Fernando Savater. Aceitemos esta singela resposta. O que nos convém: prazer ou dever? O que não nos convém: sofrimento e dor ou agir segundo impulsos e inclinações? Encontramos assim duas linhas concorrentes na sua fundamentação. Uma, utilitarista, atende sobretudo ao conteúdo da acção ou ao seu resultado, outra atende aos princípios da acção independentemente dos resultados a que conduza. Para se compreender melhor o que está em jogo, junto dois textos, um de Stuart Mill, outro de Kant.

O Princípio da Maior Felicidade
«O credo, que aceita como fundamento da moral a Utilidade ou o Princípio da Maior Felicidade, sustenta que as acções são justas na medida em que tendem a promover a felicidade, e injustas enquanto tendem a produzir o contrário da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a ausência de prazer. Para dar uma visão clara do critério moral estabelecido por esta teoria, muito mais haveria que dizer — particularmente, quais as coisas que se incluem nas ideias de dor e de prazer; e até que ponto esta questão fica pendente. Mas estas explicações não afectam a teoria da vida em que se apoia esta teoria da moralidade — nomeadamente, que o prazer e a ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como fins; e que todas as coisas desejáveis (tão numerosas na concepção utilitária como em qualquer outra) o são, ou pelo prazer inerente a elas mesmas, ou como meios para a promoção do prazer e a prevenção da dor. […]
De acordo com o Princípio da Maior Felicidade […] o fim último em referência ao qual e por cujo motivo todas as outras coisas são desejáveis (quer consideremos o nosso próprio bem ou o das outras pessoas), é uma existência tanto quanto possível isenta de dor e tão rica quanto possível de satisfações, tanto no que respeita à quantidade como à qualidade; constituindo prova de qualidade e regra para a medir em relação com a quantidade, a preferência sentida por aqueles que, pelas suas oportunidades de experiência, acrescidas dos seus hábitos de reflexão e de auto-observação, estão melhor fornecidos em termos de comparação. Sendo esse, segundo a opinião utilitarista, o fim dos actos humanos, é também necessariamente o critério de moralidade; o qual pode ser, pois, definido como o conjunto de regras e preceitos de conduta humana, por cuja observância é possível assegurar a todo o género humano uma existência como a descrita, na maior extensão possível; e não só aos seres humanos, mais ainda, tanto quanto a natureza das coisas o permita, a toda a criação sensitiva.»
John Stuart Mill, Utilitarismo, Atlântida Editora, Coimbra, 1976, pp. 18-19; 25.

O Princípio Formal do Querer: Não interessa o propósito da acção, mas apenas a máxima que a determina.
«Uma acção praticada por dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina; não depende portanto da realidade do objecto da acção, mas somente do princípio do querer segundo o qual a acção, abstraindo de todos os objectos da faculdade de desejar, foi praticada. Que os propósitos que possamos ter ao praticar certas acções e os seus efeitos, como fins e móbiles da vontade, não podem dar às acções nenhum valor incondicionado, nenhum valor moral, resulta claramente do que fica atrás. Em que é que reside pois este valor, se ele se não encontra na vontade considerada em relação com o efeito esperado dessas acções? Não pode residir em mais parte alguma senão no princípio da vontade, abstraindo dos fins que possam ser realizados por uma tal acção; pois que a vontade está colocada entre o seu princípio a priori, que é formal, e o seu móbil a posteriori, que é material, por assim dizer numa encruzilhada; e, uma vez que ela tem de ser determinada por qualquer coisa, terá de ser determinada pelo princípio formal do querer em geral quando a acção seja praticada por dever, pois lhe foi tirado todo o princípio material.» 
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Atlântida Editora, Coimbra, 1960, pp. 24-25.


Como a maioria dos leitores não é filósofo, não vou cometer a indelicadeza de acrescentar outras teorias sobre esta problemática, uma vez que, para assinalar este dia, nem seria necessário tanto.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Os mercados zombeteiros - Crónica de José Luís Pio de Abreu


«Parece que os mercados andaram a gozar com o nosso Ministro das Finanças. Ele disse que o limite eram os 7% de juros e logo os mercados esticaram a corda até esse limite. E andou o ministro a cortar salários, a reduzir pensões, a retirar abonos, a limpar subsídios e a aumentar impostos para compadecer os mercados, e os mercados, nada. Puseram-se no gozo.

E veio o nosso Presidente pedir para não afrontar os mercados, e vieram os nossos milhentos “Nóbeis” em economia explicar o comportamento dos mercados, vieram os jornalistas perdoar-lhes as diatribes, vieram os políticos prescrever receitas para os acalmar, até os nossos juízes abriram os olhos para ver os mercados, e nem sequer o Ministério Público os acusou. E os mercados, nada. Gozaram com todos.

A divindade anda desenfreada porque tem amigalhaços poderosos. As bocas da senhora Merkel ajudam imenso e o senhor Sarkozy diz que sim. Ninguém tem culpa dos traumas de infância da senhora Merkel e dos amores do senhor Sarkozy, ambos nas tintas para o poder dos Estados e cada vez mais rendidos à volúpia do Mercado. E o Deus Mercado impera.

O problema é que essa divindade perante a qual ajoelhamos deu agora em gozar connosco. Com isso, desceu do altar e mostrou que é tão humana como a senhora Merkel, o senhor Sarkozy ou o nosso Ministro das Finanças. Mas quando é essa divindade desenfreada, improdutiva e zombeteira que nos governa, é porque algo está podre no Reino da Dinamarca.»

J. L. Pio Abreu

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Mário Viegas - 62.º aniversário de nascimento (1948-1996)

Não encontrei melhor maneira de assinalar o 62.º aniversário de nascimento de Mário Viegas do que através deste vídeo, onde declama poemas de Alberto Caeiro / Fernando Pessoa e do seu "Guardador de Rebanhos". E, como ambos me são tão preciosos, fico a ganhar duplamente nesta homenagem.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

"O povo é sereno!...é apenas fumaça!" - lembram-se?

É com naturalidade que assinalamos aniversários do nascimento ou da morte de pessoas que, de um modo ou de outro, nos disseram alguma coisa. Hoje resolvi assinalar o 35.º aniversário em que, o então Primeiro-Ministro, Almirante José Baptista Pinheiro de Azevedo, proferiu as frases: “o povo é sereno!” e “é apenas fumaça!”, depois do rebentamento de uma bomba ou petardo enquanto discursava numa das janelas do Terreiro do Paço em Lisboa, e que estão registadas no vídeo em baixo. E faço-o porque, com alguma frequência, utilizo estas expressões, não no seu sentido original e factual, mas para me referir a alguns projectos de medidas e discursos políticos de hoje, a que também designo por retórica política e/ou partidária, ou seja, aquilo a que não dou crédito por saber de antemão que é falso, inverosímil, inexequível, quando não, inadequado e completamente estúpido, porque fora da nossa realidade.
Outro modo de proteger a minha paciência, é não dizer absolutamente nada, ou, no caso deste blogue, passar algum tempo sem escrever uma linha sobre os acontecimentos do nosso quotidiano político, uma vez que continuo a carregar o fardo desta minha “intuição” sagaz, que parece estar sempre no topo de uma montanha de onde abrange uma vastidão, não de paisagem, mas de dias futuros e, por isso, ver nos textos repletos de sinais de alegria e de optimismo que alguns escrevem precipitadamente, e que, no dia seguinte, se tornam em textos carregados de amargura e de pessimismo, porque aquilo que parecia afinal não é, assemelhando-se, isso sim, a um pingue-pongue de humores, para não dizer a uma “depressão bipolar” generalizada, com o risco de se tornar em epidemia. Poupemo-nos então, porque ninguém o faz por nós, e vamos ao vídeo “histórico” com pouco mais de um minuto: