Quando nos questionamos sobre o destaque que algumas notícias e eventos têm e outros que se nos apresentam como de importância igual ou superior são omitidos, talvez este texto de Rodrigo Tavares, Todos diferentes, todos diferentes, publicado na passada quinta-feira na Visão, nos ajude a reflectir sobre as causas para que tal aconteça. Só é pena estar escrito num arremedo de português.
Rodrigo Tavares 11:53 Quinta feira, 19 de Ago de 2010 |
Quem lê diariamente vários jornais internacionais deteta com facilidade que são poucas as variações no texto. As manchetes são iguais no Japão ou na Islândia. Os românticos do jornalismo interventivo e empírico, como Ryszard Kapuscinski, deram lugar às agências internacionais. As notícias deram lugar aos press-releases. A informação que nos chega é muitas vezes granítica, fechada, e unilateral.
Isto tem várias consequências perniciosas. Como são poucos os produtores de notícias, existe uma tendência para dar prioridade aos mesmos assuntos. A agenda é monopolizada pelas mesmas vontades. A notícia de um avião que se despenhe no Botswana terá mais relevância no vizinho Zimbabué do que no Equador. Faz sentido. Mas porque é que um derramamento de petróleo no Golfo do México, nos EUA, tem que algemar as notícias ao longo dos últimos meses, enquanto um derramamento de petróleo no Delta do Níger, na Nigéria, é ignorado? O primeiro durou 4 meses e afetou algumas centenas de pessoas, o segundo, dura silenciosamente há 50 anos e afeta milhões.
Ao mesmo tempo que começamos a sentir um impulso pela nacionalização do outro, pela vontade de extravasarmos o nosso reduto cultural, são as notícias que ditam quem tem valor e quem não tem. Elas são os novos juízes do purgatório. Um africano tem menos valor do que um europeu. Um asiático tem menos valor do que um americano. Enquanto escrevo, as cheias no Paquistão já afetaram 20 milhões de pessoas. É a maior catástrofe do género. Mas a cobertura jornalística é incomparavelmente inferior às cheias em Nova Orleães em 2005.
Talvez o melhor exemplo do desequilíbrio na agenda da imprensa internacional seja o conflito israelo-palestiniano. Basta alguém lançar um cocktail molotov em Telavive para ser destaque a nível mundial. Mas todos os dias morrem centenas de pessoas em outros conflitos sem qualquer cobertura mediática. Como me disse um dia ao almoço, de forma sarcástica, um premiado correspondente de guerra indiano, a única razão porque ainda não há paz no Médio Oriente é porque demasiados jornalistas estão acreditados na região. Telavive é a segunda cidade do mundo com maior número de jornalistas estrangeiros (depois de Washington). E existe uma forte pressão para transformar "eventos" (mesmo que irrelevantes) em "notícias". Nas eleições palestinianas de 2006, testemunhei jornalistas estrangeiros manipulando crianças de forma a industrializar manchetes. Eu não descuro a complexidade do conflito no Médio Oriente. Mas é interessante reparar que esse conflito causa menos vítimas anuais do que os acidentes de viação em Portugal. A narrativa do conflito, alimentada pelas agências de notícias, torna irracional a nossa perceção da realidade.
Talvez o melhor exemplo do desequilíbrio na agenda da imprensa internacional seja o conflito israelo-palestiniano. Basta alguém lançar um cocktail molotov em Telavive para ser destaque a nível mundial. Mas todos os dias morrem centenas de pessoas em outros conflitos sem qualquer cobertura mediática. Como me disse um dia ao almoço, de forma sarcástica, um premiado correspondente de guerra indiano, a única razão porque ainda não há paz no Médio Oriente é porque demasiados jornalistas estão acreditados na região. Telavive é a segunda cidade do mundo com maior número de jornalistas estrangeiros (depois de Washington). E existe uma forte pressão para transformar "eventos" (mesmo que irrelevantes) em "notícias". Nas eleições palestinianas de 2006, testemunhei jornalistas estrangeiros manipulando crianças de forma a industrializar manchetes. Eu não descuro a complexidade do conflito no Médio Oriente. Mas é interessante reparar que esse conflito causa menos vítimas anuais do que os acidentes de viação em Portugal. A narrativa do conflito, alimentada pelas agências de notícias, torna irracional a nossa perceção da realidade.
Os desequilíbrios dos media também afetam a agenda política e humanitária. A disponibilidade de um país em ajudar uma nação atingida por uma catástrofe natural é proporcional à pressão mediática para o fazer. O problema é que as agências de notícias movem-se, muitas vezes, por interesses comerciais. Mas os estados é suposto regerem-se por outro tipo de princípios. É por isso importante estar atento à exceção, ao inoportuno, à alternativa. É aí que reside o novo jornalismo. E a nova política.
4 comentários:
Olá Josefa,
Gostei de ler, embora já tenha lido outros artigos no género, de bruçando-se sobre o mesmo problema: as notícias que consumimos, que fazem as grandes manchetes e que são manipuladas pelas agências, por razões políticas e económicas...
Estas denúncias, são geralmente feitas por articulistas e colocadas de uma forma discreta, que para muita gente não é motivação para ler.
De facto «todos diferentes».
um beijinho,
Manuela
Olá Josefa
Artigo muito bom :) só é pena o acordo ortográfico :(
Aguardo esse novo jornalismo. E a nova política. Mas não deve estar para breve...
Um abraço
É como diz a Manuela Freitas: um problema antigo, pelo menos tão antigo quanto a existência de meios de comunicação. Mas nunca é demais relembrá-lo até porque muitos têm tendência a esquecê-lo.
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Obrigada Manuela Freitas, Manuela Araújo e Ana pelos vossos comentários.
Foi também o facto de muitos sabermos por que é que as coisas se passam assim, mas muitos outros andarem distraídos, que me levou a dar conhecimento deste texto.
Por outro lado, devo confessar que não são as notícias de primeira página que me cativam, mas algumas análises e textos, por vezes sem qualquer destaque, mas que abordam temas que considero pertinentes.
Beijinhos :))
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