Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.
De verdade e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre depois da idade
e tu quiseste acertar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhado por ti.
Tu sonhaste a continuação do sonho português
somados todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho predisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
e Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho a bandeira de Portugal
vertical
sem pender pra nenhum lado
o que não é dado pra portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva a bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
Nesta nossa querida terra onde ninguém a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é maneira de acabar com partidos
e de ficar talvez o partido de Portugal
mas não ainda apenas Portugal!
Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.
Em José de Almada Negreiros, Poemas, Assírio & Alvim, 2001, p. 153/4
Na imagem, Fernando Pessoa, por Almada Negreiros (1893-1970)
3 comentários:
OLá Josefa,
Não conhecia e gostei...o sonho...o ser e o não ser...e tão certo, Portugal fica para depois!...
Beijos,
Manuela
.
"Portugal fica para depois e os portugueses também..."
Achei tão a propósito, Manuela, que não resisti a publicá-lo no Restolhando em vez de no Direito e Avesso.
Beijinho e um bom dia!
O nosso Almada
tinha destas coisas
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