Há algum tempo que andava a pensar em fazer uma experiência, cujo resultado pudesse ser-me útil na avaliação da preocupação real dos vizinhos face aos que vivem sozinhos no mesmo prédio ou rua, com ou sem familiares vivos ou conhecidos. Não tenho a certeza se essa ideia se manifestou pela primeira vez depois de ler o livro de José Saramago, “Todos os Nomes”, publicado em 1997, mas sempre que alguém é notícia por ter morrido sozinho em casa, é deste livro que me lembro, não por tratar deste assunto, mas por deixar aquela sensação de não sermos mais do que um simples nome, que nos deram, e que consta de um verbete na Conservatória, a não ser que alguém se interesse e resolva dar todos os passos necessários para saber a pessoa que somos ou fomos. A citação que José Saramago escolheu para este romance é do Livro das Evidências: «Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens».
Nesta experiência não tive qualquer preocupação com a idade ou estatuto social dos envolvidos, porque, quem vive sozinho, tenha a idade e a riqueza ou pobreza que tiver, não está excluído da chamada “morte súbita”, e, por conseguinte, sem possibilidade de pedir ajuda ou socorro médico. Também não estabeleço qualquer equivalência entre viver sozinho e solidão, porque há quem viva sozinho por escolha e não a sinta. Por fim, não tinha como objectivo analisar os serviços prestados pelo Estado, autarquias ou IPSS, mas as que me parecem mais importantes para avaliar a preocupação genuína e o carácter das pessoas, e que são as relações de vizinhança, permitindo avaliar também se o seu discurso correspondia à acção. Assim, o que havia a fazer era que cada um, nessa situação, em conversa com um vizinho, trouxesse para a mesma o facto de viver sozinho e demonstrar a preocupação de que, se a sua morte ocorresse, ninguém se aperceberia disso, uns porque não tinham família, outros porque, tendo-a, era como se não tivessem, pois todos sabemos que a família não se escolhe, tudo isto para ver qual a reacção dos vizinhos interlocutores. E os resultados foram, no mínimo, decepcionantes. Com as magníficas excepções que, felizmente, sempre há, em que houve troca de números de telefone e a promessa e concretização de contactos regulares, a maioria lembrou-se, a meio da conversa, do quanto estava atrasada para qualquer compromisso, não sem antes se despedir com aquelas frases-feitas, que, por o serem, não têm qualquer significado por não corresponderem a sentimentos genuínos, e alguns passaram mesmo a evitar esses vizinhos solitários, qual doença contagiosa, ou evitando partilhar o elevador, ou mudando de passeio na rua.
Não sei se é este tipo de pessoa que, quando a morte bate à porta de um desses vizinhos, e as televisões vão indagar do seu relacionamento com ele, mostra um sorriso idiota, que fico sem saber se é motivado por uma eventual alegria de aparecer na TV, ou se se trata de um esgar provocado por algum peso na consciência, se é que a tem, por não ter feito o que devia enquanto era tempo, não raro atribuindo mesmo à maneira de ser do defunto esse desfecho, defunto de que, muitas vezes, nem sabe o nome. Chamem-lhe insensibilidade, indiferença, egoísmo, desumanidade, aqui também valem todos os nomes.
«Temos mais força do que vontade; e é muitas vezes para nos desculparmos a nós mesmos que imaginamos que certas coisas são impossíveis.» (La Rochefoucauld)
Nesta experiência não tive qualquer preocupação com a idade ou estatuto social dos envolvidos, porque, quem vive sozinho, tenha a idade e a riqueza ou pobreza que tiver, não está excluído da chamada “morte súbita”, e, por conseguinte, sem possibilidade de pedir ajuda ou socorro médico. Também não estabeleço qualquer equivalência entre viver sozinho e solidão, porque há quem viva sozinho por escolha e não a sinta. Por fim, não tinha como objectivo analisar os serviços prestados pelo Estado, autarquias ou IPSS, mas as que me parecem mais importantes para avaliar a preocupação genuína e o carácter das pessoas, e que são as relações de vizinhança, permitindo avaliar também se o seu discurso correspondia à acção. Assim, o que havia a fazer era que cada um, nessa situação, em conversa com um vizinho, trouxesse para a mesma o facto de viver sozinho e demonstrar a preocupação de que, se a sua morte ocorresse, ninguém se aperceberia disso, uns porque não tinham família, outros porque, tendo-a, era como se não tivessem, pois todos sabemos que a família não se escolhe, tudo isto para ver qual a reacção dos vizinhos interlocutores. E os resultados foram, no mínimo, decepcionantes. Com as magníficas excepções que, felizmente, sempre há, em que houve troca de números de telefone e a promessa e concretização de contactos regulares, a maioria lembrou-se, a meio da conversa, do quanto estava atrasada para qualquer compromisso, não sem antes se despedir com aquelas frases-feitas, que, por o serem, não têm qualquer significado por não corresponderem a sentimentos genuínos, e alguns passaram mesmo a evitar esses vizinhos solitários, qual doença contagiosa, ou evitando partilhar o elevador, ou mudando de passeio na rua.
Não sei se é este tipo de pessoa que, quando a morte bate à porta de um desses vizinhos, e as televisões vão indagar do seu relacionamento com ele, mostra um sorriso idiota, que fico sem saber se é motivado por uma eventual alegria de aparecer na TV, ou se se trata de um esgar provocado por algum peso na consciência, se é que a tem, por não ter feito o que devia enquanto era tempo, não raro atribuindo mesmo à maneira de ser do defunto esse desfecho, defunto de que, muitas vezes, nem sabe o nome. Chamem-lhe insensibilidade, indiferença, egoísmo, desumanidade, aqui também valem todos os nomes.
«Temos mais força do que vontade; e é muitas vezes para nos desculparmos a nós mesmos que imaginamos que certas coisas são impossíveis.» (La Rochefoucauld)