sexta-feira, 27 de abril de 2012

Democracia e Liberdade

Diz Jean-Jacques Rousseau, no Livro III, capítulo IV do livro O Contrato Social, que «se houvesse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente», afirmação que pode levar-nos a concluir que só entre iguais e com o mesmo estatuto seria possível uma democracia perfeita, e que, portanto, esse sistema dificilmente poderia ser mantido por simples mortais, como nós, vivendo em sociedades tão estratificadas. E é nesta base de raciocínio que entendo as afirmações seguintes, que já reproduzi noutro lugar, e que partilho aqui, porque transmitem não só as vicissitudes de qualquer democracia actual, como nos lembram o que é de facto importante e que se deve preservar a todo o custo: a liberdade.
«(...) não há governo tão sujeito às guerras civis e às agitações intestinas como o democrático ou popular, porque não há nenhum que tenda tão forte e continuamente para mudar de forma, nem que exija mais vigilância e coragem para ser mantido na sua. É sobretudo nesta constituição que o cidadão tem de se armar de força e constância e dizer em cada dia da sua vida no fundo do coração o que dizia um virtuoso Palatino (*) na Dieta da Polónia: "Malo periculosam libertatem quam quietum servitium." ("Prefiro os perigos da liberdade ao sossego da servidão.”)

(*) O Palatino da Polónia, pai do rei da Polónia, duque da Lorena.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), O Contrato Social, Livro III, capítulo IV

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Fernando Alves: Da frivolidade (Llosa e Camus)


Tendo relido recentemente os "Discursos da Suécia" que Albert Camus proferiu em 1957, designadamente o que tem por título "O artista e o seu tempo", foi com muita curiosidade que li hoje a crónica de Fernando Alves, na TSF, que o trouxe a lume, bem como algumas afirmações de Vargas Llosa, neste tempo em que parece que tudo é cultura e nada o é, a propósito de comportamentos políticos e sociais com que somos brindados diariamente e que mais parecem pertencer às "artes" de entretenimento. Mas o melhor é ler a crónica:

 

«A palavra "frivolidade" corre o noticiário destes dias. Ainda nos lembramos da recente capa do "Economist" sobre "a eleição mais frívola do Ocidente", com Hollande e Sarkozy sentados na relva, numa curiosa recriação de um célebre quadro de Manet.
E agora vários dirigentes partidários espanhóis se referem, indignados, à frivolidade de um rei que, em plena crise, foi caçar elefantes para o Botswana. O jornal "El Mundo" considerou que o triste espectáculo dado pelo monarca espanhol "transmite uma imagem de indiferença e frivolidade que o Chefe de Estado jamais deveria dar".
É um exercício a que nos deveríamos entregar com mais frequência: o da percepção dessa frivolidade que se impôs como regra, como "ar do tempo". Esse exercício deveria assustar-nos, porque fomos cedendo a essa evanescência doce, a essa pauta leviana e fácil. Em todos os domínios, na política, no jornalismo, na convivialidade quotidiana.
Uma importante entrevista de Vargas Llosa ao jornal "El Pais" veio, este fim-de-semana, desafiar-nos a que encetemos esse exercício. A entrevista toma como pretexto a recente publicação pela Alfaguara do novo ensaio de Vargas Llosa, "A civilização do espectáculo". Ele fala deste tempo em que, "como não há maneira de saber o que é a cultura, tudo é cultura e já não o é". Essa "dissolução de hierarquias e referentes" é, para o autor de "Conversa na Catedral", uma clara consequência do "triunfo da frivolidade, do reinado universal do entretenimento".
Vale a pena mergulhar nesta longa entrevista, enquanto não chega o ensaio de Vargas Llosa. Ela contém avisos muito sérios sobre os perigos que ameaçam a cultura democrática. Sobre os perigos que advêm da frivolidade que é a marca destes dias. Ela manifesta-se, lembra o peruano, por um quadro de valores "completamente confundido, pelo sacrifício da visão a longo prazo em benefício do imediato".
Por causa desta entrevista, a que voltarei, fui procurar um dos discursos de Camus, por ocasião da atribuição do Nobel, em 57, aquele que tem por titulo "O Artista e o seu tempo". Lá está a referência ao modo como a arte se afirma "numa perpétua tensão entre a beleza e a dor, o amor dos homens e a loucura da criação, a solidão mais insuportável e o assédio da multidão, a recusa e o consentimento". Nesse discurso, proferido no grande anfiteatro da universidade de Upsala, Camus lembra-nos que a arte "caminha entre dois abismos que são a frivolidade e a propaganda".»


Fernando Alves (na crónica “Sinais”, hoje, na TSF)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Nietzsche: "O problema dos que esperam"

«São precisos muitos casos de sorte e muitas coisas incalculáveis para que um homem superior, em quem dorme a solução de um problema, chegue ainda a tempo para agir - "à explosão", como se poderia dizer. Em geral, tal não acontece, e em todos os recantos da Terra há os que esperam, que mal sabem em que sentido esperam, mas menos ainda sabem que esperam em vão. Por vezes, também, chega tarde demais o toque de alvorada, aquele acaso que dá a "licença" para agir - acontece quando a melhor juventude e força de agir estão gastas pelo estar-se sentado; e quantos não descobriram, com susto, ao levantarem-se "sobressaltados", que tinham os membros dormentes e o espírito já pesado demais! "É tarde demais", disse, tornado descrente de si próprio e, agora, inútil para sempre. Será que, no reino do génio, o "Rafael sem mãos", entendida a palavra no sentido mais lato, não é talvez a excepção, mas a regra? O génio talvez não seja tão raro: mas são-no as quinhentas mãos que são precisas para tiranizar o καιρós, o "tempo oportuno", para agarrar o acaso pelos cabelos!»

F. Nietzsche, in Para além do bem e do mal, Guimarães Editores, 1978, p. 208

Hoje deixo, também, um documentário sobre a vida e obra de Nietzsche, feito pela BBC, e que, curiosamente, tendo feito documentários sobre outros filósofos, atribuiu a todos o mesmo título "Human, all too human", que nos recorda o livro de Nietzsche "Humano, demasiado humano" e não o de qualquer outro.