Quero falar consigo um pouco mais, caro Senhor Kappus, ainda
que praticamente não tenha nada a dizer que o possa ajudar, que lhe possa ser
útil. Viveu muitas e grandes tristezas que passaram. E que elas passassem,
diz-me, também o magoou e deixou amargurado. Mas peço-lhe que reflicta: estas
grandes tristezas não terão antes passado por si, por dentro de si? Não terão
dado nova forma a muitas coisas em si, não terão mudado um qualquer aspecto do
seu ser? Perigosas e daninhas são apenas aquelas tristezas que exibimos diante
dos outros para que pareçam maiores do que são; como doenças levianamente
tratadas apenas nos seus sintomas, entram em remissão por um breve lapso de
tempo para depois regressarem tanto mais terrivelmente; e acumulam-se no
interior e são vida… são vida não vivida, desdenhada, perdida, e quase nos
matam. Se pudéssemos ver mais longe do que o nosso conhecimento alcança e
olhássemos para além das ameias dos nossos pressentimentos, talvez
suportássemos então as nossas tristezas com mais confiança do que as nossas
alegrias. Pois as tristezas são momentos em que qualquer coisa nova e
desconhecida entra dentro de nós; as nossas emoções emudecem, perturbadas e
tímidas, tudo em nós se recolhe, instaura-se o silêncio, e o novo, que ninguém
conhece, desloca-se para o seu centro e cala-se.
Penso que quase todas as nossas tristezas são momentos de
tensão, e se sentimos que nos tolhem é apenas porque já não ouvimos a vida das
nossas emoções que se tornaram estranhas. Porque estamos a sós com a estranheza
que entrou dentro de nós; porque por um momento tudo o que nos é conhecido e
familiar desapareceu; porque estamos em plena transição e não podemos parar. É
por isso que também a tristeza passa: o que é novo em nós, o que nos foi
acrescentado, entrou no coração, na sua câmara mais interior, mas também não
está nele – está já no sangue. E não chegamos a saber o que era. Facilmente nos
levariam a crer que nada acontecera, e no entanto mudámos, como muda uma casa
quando entra um hóspede. Não sabemos dizer quem entrou, talvez nunca venhamos a
saber, mas vários sinais indicam que foi o futuro que assim entrou, para se
metamorfosear dentro de nós muito antes de acontecer. E por esta razão é tão
importante estarmos sós e atentos quando nos sentimos tristes: porque o momento
aparentemente inerte e sem eventos em que o nosso futuro entra em nós está
muito mais perto da vida do que qualquer outro momento ruidoso e acidental em
que ele acontece como se viesse de fora. Quanto mais silenciosos, pacientes e
abertos formos enquanto pessoas tristes, tão mais profundo e límpido será o
novo que entre em nós, tanto melhor o saberemos receber, tanto mais será ele o nosso destino, e quando um dia mais
tarde ele “acontecer” (ou seja, quando sair de nós para se mostrar aos outros),
tanto maior será a afinidade e proximidade íntima que nos unirá ao novo. É
necessário – e aos poucos será esse o rumo da nossa evolução – que nunca nos
deparemos com nada que nos seja estranho, mas apenas com o que desde há muito
nos pertence. Vários conceitos de movimento foram já reformulados, e do mesmo
modo reconheceremos gradualmente que o que chamamos destino parte dos homens,
não entra neles vindo de fora. Se muitos não reconheceram o que tinha origem
neles, foi apenas porque não absorveram o seu destino enquanto o viviam nem o
fizeram seu; era um destino para eles tão estranho que, no seu susto
desnorteado, pensaram que só podia ter entrado neles agora e juravam que nunca
tinham encontrado nada de semelhante dentro de si. Assim como por muito tempo
nos enganámos acerca do movimento do Sol, também ainda nos enganamos sobre o
movimento do que está por vir. O futuro é um eixo fixo, caro Senhor Kappus, mas
nós deslocamo-nos no espaço infinito.
Como não havia de ser difícil?