terça-feira, 19 de março de 2013

Chipre não é uma ilha encantada



Como a minha análise sobre o modo como a União Europeia e, dentro desta, o Eurogrupo, aceitou resgatar Chipre, difere do que tenho ouvido e lido, aqui vai o que penso da situação.

Como é sabido, Chipre é uma ilha dividida ao meio, em que uma parte foi ocupada pela Turquia (cipriotas turcos), e essa metade da ilha não pertence à União Europeia (UE), embora a própria Turquia queira, desde há muito, fazer parte do clube, e a outra metade é habitada maioritariamente por gregos (cipriotas gregos), e é esta parte que, em 2008, foi admitida no clube europeu e na zona euro, ou seja, com o pacote completo. Tratando-se de um dos muitos “paraísos fiscais” que existem por esse mundo, muitos cidadãos e empresas de outros países, residentes ou não na “meia-ilha”, como russos, ingleses, gregos da Grécia, alemães, etc., têm utilizado os seus bancos para beneficiarem da fiscalidade bem mais suave do que a que vigora nos respectivos países, e os seus pouco mais de 800.000 habitantes dedicam-se essencialmente aos serviços e ao turismo, além de guardarem o dinheiro alheio que, com tantos benefícios fiscais, pouco contribui para a sustentabilidade do país em termos financeiros e, daí, prever-se que, se nada for feito, entrar em bancarrota já em Maio.

Por outro lado, há alguns anos, Chipre já tinha contraído um empréstimo junto da Rússia, com quem agora tem estado a negociar para que o mesmo seja dilatado no tempo e com melhores condições, e foi, aliás, toda esta situação de dependência face à Rússia que fez com que a UE demorasse muitos meses a analisar a situação cipriota, cujo pedido de resgate apresentado orçava os 17 mil milhões de euros, tendo a UE, ou melhor, os países mais ricos da zona euro, aceitado emprestar 10 mil milhões, através do novo mecanismo de estabilização financeira, e que, como sabemos, esse empréstimo, nos países mais civilizados, está sujeito à aprovação dos respectivos parlamentos, uma vez que é do dinheiro dos respectivos cidadãos contribuintes que se trata. E então o resto do dinheiro que a “meia-ilha” parece necessitar? Pode muito bem ter passado pela cabeça dos ministros das finanças na última reunião do Eurogrupo, e tratando-se de um “paraíso fiscal”, que estaria na hora dos que ao longo dos anos beneficiaram fiscalmente das condições que lhes foram dadas, de contribuírem também para evitarem a morte da galinha dos ovos de ouro.

É claro que estas decisões “criativas” causam de imediato algum pânico, principalmente nos cipriotas gregos, cidadãos comuns, sem fortuna, e a quem a regra adoptada pela UE, também em 2008, de que qualquer cidadão teria os seus depósitos bancários garantidos até ao valor de cem mil euros parecia não se aplicar, dadas as percentagens progressivas a reter sobre os depósitos, anunciadas pelo Presidente cipriota. Quanto a isto, a ver vamos se as regras da UE também podem ser letra morta.

Não querendo ser agoirenta, e mesmo que este empréstimo venha a ser aprovado pelo parlamento alemão, não me parece que a “meia-ilha” consiga sair desta, tanto mais que a acumular com este tem também a dívida à Rússia.

Do que me questiono, em última análise, e vou sempre bater na mesma tecla, é se vale a pena, em nome de interesses geoestratégicos, que neste caso incluem a Rússia e a Turquia ocupante, admitir um país nesta situação, que não representa mais do que 0,2% no conjunto da UE, mas que na sua infinita pequenez pode desestabilizar ainda mais todo um continente que ainda não encontrou o rumo certo.

terça-feira, 5 de março de 2013

Para os desmemoriados



«Em Agosto de 1983, o Governo do Bloco Central PS-PSD, assinou um memorando de entendimento com o Fundo Monetário Internacional. Os impostos subiram, os preços dispararam, a moeda desvalorizou, o crédito acabou, o desemprego e os salários em atraso tornaram-se numa chaga social e havia bolsas de fome por todo o país. O primeiro-ministro era Mário Soares. Veja como o homem que hoje quer rasgar o acordo com a troika defendia os sacrifícios pedidos aos portugueses.

“Os problemas económicos em Portugal são fáceis de explicar e a única coisa a fazer é apertar o cinto”. DN, 27 de Maio de 1984

“Não se fazem omeletas sem ovos. Evidentemente teremos de partir alguns”. DN, 01 de Maio de 1984

“Quem vê, do estrangeiro, este esforço e a coragem com que estamos a aplicar as medidas impopulares aprecia e louva o esforço feito por este governo.” JN, 28 de Abril de 1984

“Quando nos reunimos com os macroeconomistas, todos reconhecem com gradações subtis ou simples nuances que a política que está a ser seguida é a necessária para Portugal”. Idem

“Fomos obrigados a fazer, sem contemplações, o diagnóstico dos nossos males colectivos e a indicar a terapêutica possível”. RTP, 1 de Junho de 1984. Idem, ibidem

“A terapêutica de choque não é diferente, aliás, da que estão a aplicar outros países da Europa bem mais ricos do que nós”. RTP, 1 de Junho de 1984

“Portugal habituara-se a viver, demasiado tempo, acima dos seus meios e recursos”. Idem

“O importante é saber se invertemos ou não a corrida para o abismo em que nos instalámos irresponsavelmente”. Idem, ibidem

“[O desemprego e os salário em atraso], isso é uma questão das empresas e não do Estado. Isso é uma questão que faz parte do livre jogo das empresas e dos trabalhadores (...). O Estado só deve garantir o subsídio de desemprego”. JN, 28 de Abril de 1984

“O que sucede é que uma empresa quando entra em falência... deve pura e simplesmente falir. (...) Só uma concepção estatal e colectivista da sociedade é que atribui ao Estado essa responsabilidade". Idem

“Anunciámos medidas de rigor e dissemos em que consistia a política de austeridade, dura mas necessária, para readquirirmos o controlo da situação financeira, reduzirmos os défices e nos pormos ao abrigo de humilhantes dependências exteriores, sem que o pais caminharia, necessariamente para a bancarrota e o desastre”. RTP, 1 de Junho de 1984

“Pedi que com imaginação e capacidade criadora o Ministério das Finanças criasse um novo tipo de receitas, daí surgiram estes novos impostos”. 1ª Página, 6 de Dezembro de 1983

“Posso garantir que não irá faltar aos portugueses nem trabalho nem salários”. DN, 19 de Fevereiro de 1984

“A CGTP concentra-se em reivindicações políticas com menosprezo dos interesses dos trabalhadores que pretende representar”. RTP, 1 de Junho de1984

“A imprensa portuguesa ainda não se habituou suficientemente à democracia e é completamente irresponsável. Ela dá uma imagem completamente falsa”. Der Spiegel, 21 de Abril de 1984

“Basta circular pelo País e atentar nas inscrições nas paredes. Uma verdadeira agressão quotidiana que é intolerável que não seja punida na lei. Sê-lo-á”. RTP, 31 de Maio de 1984

“A Associação 25 de Abril é qualquer coisa que não devia ser permitida a militares em serviço”. La Republica, 28 de Abril de 1984

“As finanças públicas são como uma manta que, puxada para a cabeça deixa os pés de fora e, puxada para os pés deixa a cabeça descoberta”. Correio da Manhã, 29 de Outubro de 1984

“Não foi, de facto, com alegria no coração que aceitei ser primeiro-ministro. Não é agradável para a imagem de um político sê-lo nas condições actuais”. JN, 28 de Abril de 1984

“Temos pronta a Lei das Rendas, já depois de submetida a discussão pública, devidamente corrigida”. RTP, 1 de Junho de 1984

“Dentro de seis meses o país vai considerar-me um herói”. 6 de Junho de 1984»

Transcrevi daqui.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Olá, Consciência!



No próximo dia 12 de Março, terça-feira, pelas 19:00 h, terá lugar no Auditório do Alto dos Moinhos, Rua João de Freitas Branco, em Lisboa, o lançamento do livro Olá, Consciência! – Uma viagem pela filosofia, da autoria de Mendo Henriques e de Nazaré Barros e cuja apresentação estará a cargo de José Tolentino Mendonça. Como, naturalmente, ainda não tive acesso ao seu conteúdo, transcrevo um texto que acompanha o pequeno vídeo de apresentação da obra e que poderão ver mais abaixo.

«Olá, Consciência! é um convite a uma viagem apaixonante pelo mundo da filosofia. De leitura viva e acessível, com uma apresentação inovadora que conjuga rigor e linguagem atraente, esta obra de introdução à filosofia distingue-se das demais porque parte das experiências quotidianas para explicar conceitos filosóficos e mostrar como a vida faz mais sentido se for vista à luz da filosofia.
Mendo Henriques e Nazaré Barros trazem de novo a filosofia à praça pública - onde ela nasceu - e introduzem os leitores no mundo da consciência como chave de compreensão do que nos rodeia, na ciência e na política, na arte e na religião, na economia e na metafísica, na comunicação e na ética. Olá Consciência! destina-se a todos os que não se conformam com a norma instituída, com o politicamente correcto, com a superficialidade e o comodismo do pensamento único. Porque a filosofia é de todos os que ousam pensar por si próprios.
Este livro é um espaço para reflectir, como quem passeia num jardim, sem pressas nem compromissos. Ou, para os mais apressados, um mapa de metro, em que o leitor pode escolher a linha que quer seguir. Num caso como noutro, o destino da viagem é uma existência mais consciente e necessariamente mais rica.
No site www.olaconsciencia.com encontrará informações complementares nesta viagem pela filosofia, editada em Portugal e no Brasil.
Boa viagem!»