Como a minha análise sobre o modo como a União Europeia e,
dentro desta, o Eurogrupo, aceitou resgatar Chipre, difere do que tenho ouvido
e lido, aqui vai o que penso da situação.
Como é sabido, Chipre é uma ilha dividida ao meio, em que
uma parte foi ocupada pela Turquia (cipriotas turcos), e essa metade da ilha
não pertence à União Europeia (UE), embora a própria Turquia queira, desde há
muito, fazer parte do clube, e a outra metade é habitada maioritariamente por
gregos (cipriotas gregos), e é esta parte que, em 2008, foi admitida no clube
europeu e na zona euro, ou seja, com o pacote completo. Tratando-se de um dos
muitos “paraísos fiscais” que existem por esse mundo, muitos cidadãos e
empresas de outros países, residentes ou não na “meia-ilha”, como russos,
ingleses, gregos da Grécia, alemães, etc., têm utilizado os seus bancos para
beneficiarem da fiscalidade bem mais suave do que a que vigora nos respectivos
países, e os seus pouco mais de 800.000 habitantes dedicam-se essencialmente
aos serviços e ao turismo, além de guardarem o dinheiro alheio que, com tantos
benefícios fiscais, pouco contribui para a sustentabilidade do país em termos
financeiros e, daí, prever-se que, se nada for feito, entrar em bancarrota já
em Maio.
Por outro lado, há alguns anos, Chipre já tinha contraído um
empréstimo junto da Rússia, com quem agora tem estado a negociar para que o
mesmo seja dilatado no tempo e com melhores condições, e foi, aliás, toda esta
situação de dependência face à Rússia que fez com que a UE demorasse muitos
meses a analisar a situação cipriota, cujo pedido de resgate apresentado orçava
os 17 mil milhões de euros, tendo a UE, ou melhor, os países mais ricos da zona
euro, aceitado emprestar 10 mil milhões, através do novo mecanismo de
estabilização financeira, e que, como sabemos, esse empréstimo, nos países mais
civilizados, está sujeito à aprovação dos respectivos parlamentos, uma vez que
é do dinheiro dos respectivos cidadãos contribuintes que se trata. E então o
resto do dinheiro que a “meia-ilha” parece necessitar? Pode muito bem ter
passado pela cabeça dos ministros das finanças na última reunião do Eurogrupo,
e tratando-se de um “paraíso fiscal”, que estaria na hora dos que ao longo dos
anos beneficiaram fiscalmente das condições que lhes foram dadas, de
contribuírem também para evitarem a morte da galinha dos ovos de ouro.
É claro que estas decisões “criativas” causam de imediato
algum pânico, principalmente nos cipriotas gregos, cidadãos comuns, sem
fortuna, e a quem a regra adoptada pela UE, também em 2008, de que qualquer
cidadão teria os seus depósitos bancários garantidos até ao valor de cem mil
euros parecia não se aplicar, dadas as percentagens progressivas a reter sobre
os depósitos, anunciadas pelo Presidente cipriota. Quanto a isto, a ver vamos
se as regras da UE também podem ser letra morta.
Não querendo ser agoirenta, e mesmo que este empréstimo
venha a ser aprovado pelo parlamento alemão, não me parece que a “meia-ilha”
consiga sair desta, tanto mais que a acumular com este tem também a dívida à
Rússia.
Do que me questiono, em última análise, e vou sempre bater
na mesma tecla, é se vale a pena, em nome de interesses geoestratégicos, que
neste caso incluem a Rússia e a Turquia ocupante, admitir um país nesta
situação, que não representa mais do que 0,2% no conjunto da UE, mas que na sua
infinita pequenez pode desestabilizar ainda mais todo um continente que ainda
não encontrou o rumo certo.