O PAÍS INGÉNUO
A tristeza era tanta que os sorrisos passaram a ser pagos. Alguns funcionários do Estado, disfarçados, diluídos na multidão das cidades, observavam os poucos cidadãos sorridentes que passavam e, discretamente, mandavam-nos parar. Apresentavam-se: Funcionários do Estado!, diziam, e depois pediam a identificação do sorridente. Registavam nome e morada.
Ao fim do mês, os referidos cidadãos recebiam o cheque. Durante o mês de Fevereiro foi visto três vezes a sorrir na rua - estava escrito, com data e hora, no pequeno documento que acompanhava o dinheiro.
A quantia dada por cada sorriso não era uma fortuna, mas digamos que ser visto pelo Estado a sorrir nove vezes durante um mês dava perfeitamente para viver sem dificuldades.
Pois bem, em pouco tempo o clima emocional do país alterou-se por completo. Seja por avidez ou pela própria natureza das coisas o país em dois anos tornou-se conhecido pelo "permanente e impressionante optimismo dos seus cidadãos", como se dizia numa agência de notícias internacional.
Os subsídios do Estado aos sorrisos terminaram pouco depois, mas como ninguém informou os cidadãos eles mantiveram aquele sorriso estúpido, repugnante, desadequado, inútil, sem razão de ser.
(Histórias de Gonçalo M. Tavares)