domingo, 3 de junho de 2018

Eutanásia, significa "uma morte serena e pacífica"

Não vou pedir aos deputados, e aos cidadãos em geral, que leiam a Ética Prática de Peter Singer. Por isso deixo aqui alguns excertos para leitura atenta e reflectida, pode ser que ajude a alterar discursos partidarizados quando, do que se trata, é precisamente do domínio ético-filosófico. Já o tinha feito em 2009, mas agora parece que a capacidade de retenção de conhecimento diminuiu drasticamente por contraponto ao aumento da vozearia desprovida de sentido.
 
Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, Lisboa, 1.ª edição, 2000 (original 1993)
 
P. 20
 
…O comportamento ético não exige a crença no céu e no inferno.

P. 94

O facto de um ser ter consciência de si confere-lhe alguma forma de prioridade na consideração dos seus interesses?

P. 147

Não arranjamos dores de cabeça apenas para podermos tomar uma aspirina e satisfazer assim o nosso desejo de nos libertarmos da dor.

P. 166

Um ser só se pode considerar vítima quando tenha interesses que são violados.

P. 196 e seguintes

Eutanásia, significa “uma morte serena e pacífica”.

Tipos de eutanásia: voluntária, involuntária, não voluntária.

Voluntária – a pedido da pessoa que deseja morrer (pouco se distingue do suicídio assistido)

Involuntária – não se pergunta à pessoa se deseja morrer, e, apesar do seu sofrimento atroz, muitas vezes deseja continuar a viver se lhe perguntarem (caso de bebés com graves deformações ou adultos com deficiências mentais graves desde o nascimento).

Não voluntária – a pessoa não é capaz de compreender a escolha entre a vida e a morte e não deixou expresso nada nesse sentido.

Pessoa = ser humano autoconsciente, racional e autónomo.

Estado vegetativo = seres vivos biologicamente mas não biograficamente.

P. 213

De que modo as questões éticas são diferentes quando um ser é capaz de consentir e de facto o faz?

P. 220

John Stuart Mill pensava que o Estado nunca devia interferir com o indivíduo, excepto para impedir danos a terceiros. O bem individual, pensava Mill, não representa uma razão adequada à intervenção do Estado. Mas Mill pode ter tido uma opinião demasiado elevada da racionalidade do ser humano. Pode ser ocasionalmente um bem evitar que as pessoas façam escolhas que obviamente não se baseiam na racionalidade e que podemos ter a certeza de que mais tarde se irão lamentar. No entanto, a proibição da eutanásia voluntária não se pode justificar com bases paternalistas, pois a eutanásia voluntária é um acto para o qual há boas razões. A eutanásia voluntária só ocorre quando, tanto quanto a medicina sabe, uma pessoa sofre de uma doença incurável e dolorosa ou extremamente penosa. Nessas circunstâncias não se pode dizer que optar por uma morte rápida seja obviamente irracional. A força da argumentação em favor da eutanásia voluntária reside na sua combinação de respeito pelas preferências ou autonomia daqueles que se decidem pela eutanásia e na base racional inequívoca da própria decisão.

P. 229

Por que motivo é um mal matar, mas deixar morrer não é?

Não existe qualquer diferença moral intrínseca entre matar e deixar morrer (entre agir e omitir).

P. 236

Se os actos de eutanásia só puderem ser praticados por pessoal médico, não é provável que a propensão para matar alastre descontroladamente por toda a comunidade. Os médicos já têm um poder considerável sobre a vida e a morte, por intermédio da possibilidade de suspenderem o tratamento. Nunca se aventou que os médicos que começam por deixar que os bebés com deficiências profundas morram de pneumonia possam passar a deixar de administrar antibióticos a minorias raciais ou a extremistas políticos. De facto, legalizar a eutanásia poderia muito bem limitar o poder dos médicos, visto que traria para a luz do dia e sujeitaria ao escrutínio de outro médico aquilo que alguns médicos fazem por iniciativa pessoal e em segredo.

P. 246

Se um médico decidir, em consulta com os pais, não operar um bebé com síndrome de Down e obstrução intestinal (deixando-o, assim, morrer), a sua motivação será semelhante à do médico que lhe dá uma injecção letal em vez de deixar o bebé morrer. Em nenhum dos casos é necessário qualquer heroísmo moral. Não operar porá fim à vida com tanta certeza como uma injecção letal. Deixar morrer tem, de facto, uma vítima identificável. (…) As diferenças extrínsecas que normalmente demarcam a morte provocada do deixar morrer explicam o facto por que razão, normalmente, achamos que matar é bem pior que deixar morrer.

P. 317 (Ética e Lei)

Temos alguma obrigação moral de obedecer à lei quando a lei protege e sanciona coisas que achamos totalmente erradas?

Filósofo Robert Paul Wolff: “A marca definidora do Estado é a autoridade, o direito de governar. A primeira obrigação do homem é a autonomia, a recusa em ser governado. Poderia parecer, então, que não há solução para o conflito entre a autonomia do indivíduo e a suposta autoridade do Estado. Enquanto o homem cumprir a sua obrigação de ser o autor das suas decisões resistirá à pretensão do Estado de ter autoridade sobre si.”

Henry Thoreau, Civil Disobedience, século XIX: “Terá o cidadão de entregar a sua consciência ao legislador, nem que seja por um só momento ou no grau mínimo? Para que terá então todo o homem uma consciência? Penso que devemos ser em primeiro lugar homens e só depois súbditos. Não é desejável cultivar o respeito pela lei nem pelo direito. A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer sempre aquilo que penso ser justo.”

Atenção: a ética requer imperativos racionais e universais.

P. 374

Qual é a importância moral da distinção entre provocar a morte de um paciente, retirando-lhe o tratamento necessário ao prolongamento da vida, e provocá-la por meio de uma intervenção activa?

P. 381

 
Voltaire: “não concordo com o que diz, mas defenderei até à morte o seu direito de dizê-lo”. 



 

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