Jean-Paul Sartre mostrou-se encantado por ter observado na península ibérica uma das educações infantis menos repressivas que existiam.
Essa educação consiste na adulação permanente da criança-rei (sobretudo os meninos e hoje também as meninas), o que constitui uma porta aberta para as suas pulsões narcisistas e exibicionistas, para a afirmação egoísta de si, e em nada contribui para a existência de um comportamento autodeterminado e equilibrado na percepção de si e do outro.
Esse tipo de educação traduz-se, na adolescência, numa indefinição do espaço humano que nada limita e define senão a vontade oposta, o que pode dar origem a uma sociedade que suscite e imponha uma intervenção estatal que, de algum modo, equilibre essa falsa "realeza" individual, mas que pode também, e muitas vezes, descambar em facilitismos e em nivelamentos por baixo, o que é desastroso e quase epidémico, com reflexos em várias gerações. Aliás, a sociedade portuguesa não é a única que não consegue resistir a esse impulso de ocupar um lugar que exija o mínimo de esforço e o máximo de promoção social segundo a norma do "parecer". E bem podemos esperar sentados a almejada mudança dessa coisa obscura chamada "mentalidade" que, não sendo da ordem do político, implica-o. A mentalidade de ricos sem tostão faz parte duma estrutura global, e mesmo que a realidade mostre o contrário ou que uma catástrofe esteja iminente, não a conseguem alterar. Se Freud tivesse tido oportunidade de nos conhecer, descobriria um povo em que é patente o triunfo do princípio do prazer sobre o princípio da realidade.