Como o meu sentido de humor decresce na proporção directa da subida dos horrores, socorro-me de Keith Ward que, no livro "Deus e os Filósofos", escreveu o seguinte:
«(...) Descartes acreditava que apenas os seres humanos tinham mentes. Os outros animais só tinham cérebros, sem mentes lá dentro. Os animais não possuíam consciência e não agiam livremente. Eram apenas máquinas que podiam ser dissecadas e sujeitas a experiências, que podiam ser desmontadas e reunidas em várias combinações, tal como os relógios ou as máquinas a vapor.
Filósofos mais recentes não ficaram impressionados com a ideia de que os chimpanzés, cujo ADN difere do nosso em apenas um por cento, são apenas máquinas, enquanto que nós somos seres livres e responsáveis. Contudo, e surpreendentemente, muitos filósofos não concluíram que os chimpanzés têm, de facto, livre arbítrio. O que concluíram foi que nós não o temos. Concordam com Descartes, na medida em que os chimpanzés não possuem consciência nem liberdade de escolha, mas acrescentam que os seres humanos também não. A consciência não passa de uma função do cérebro físico e a liberdade é a sensação de que os nossos cérebros ainda não decidiram o que fazer. A vontade e a consciência são completamente excluídas do Universo e substituídas pelas leis da física, que fazem com que os minúsculos pedaços de matéria que constituem os nossos cérebros se comportem de formas extremamente complexas mas completamente automáticas.»
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in Keith Ward, Deus e os Filósofos (título original God: A Guide for the Perplexed), Oficina do Livro, Lda., Lisboa, 1.ª edição, 2007, página 21.