Quando tento elaborar o meu testamento vital, vêm-me à memória dois ou três casos de que tive conhecimento em que pessoas morreram sozinhas em casa e ninguém deu por isso senão quando o cheiro da decomposição dos seus corpos se fez notar. Ninguém lhes sentiu a falta, ninguém deu pela sua ausência. Num caso, foi a falta de pagamento da renda do apartamento que levou a senhoria a questionar-se sobre o que teria acontecido àquele senhor, tão pontual no cumprimento dessa sua obrigação, a averiguar o que se passava. O corpo encontrado sem vida no apartamento pode ser, assim, sepultado, mais de um mês depois de a morte, por causas naturais (paragem cardíaca), ter ocorrido. Se tinham família? Não sei. Nem sempre os familiares são as pessoas mais próximas de muitos de nós. Se essas pessoas teriam feito os seus testamentos vitais? Não sei. Na total solidão em que morreram, não passariam de papéis inúteis. E perante esta situação, questiono-me sobre a importância de passar a escrito qualquer desejo, incluindo o de que as máquinas sejam desligadas se a minha existência se tornar apenas biológica e já não biográfica, se já não for um ser humano autoconsciente, racional e autónomo. Hoje estou e sou. Amanhã, acordarei?
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