Língua mater dolorosa
Tu que foste do Lácio a flor do pinho
dos trovadores a leda e bem-talhada
de oito séculos a cal o pão e o vinho
de Luiz Vaz a chama joalhada.
Tu o casulo o vaso o ventre o ninho
e que sôbolos rios pendurada
foste a harpa lunar do peregrino
tu que depois de ti não há mais nada,
eis-te bobo da corja coribântica:
a canalha apedreja-te a semântica
e os teus versos feridos vão de maca.
Já na glote és cascalho és malho és míngua,
de brisa barco e bronze foste a língua;
língua serás ainda … mas de vaca.
de Poesia Completa, D. Quixote, 1999
10 comentários:
"Alinguagem é a casa do ser. Nesta habitação do ser mora o homem. Os pensadores e os poetas são os guardas desta habitação"
(Martin Heidegger)
Usando a mesma língua, mas sem a originalidade, a destreza e beleza da escrita de Natália Correia, aqui ficam os meus votos de Feliz Ano Novo.
E a nossa escrita
cada vez mais
se diferenciará
do inglês,
do francês,
do latim,
para mais se assemelhar
a emissões de voz
sem consoantes,
assim como
o cantonês,
o mandarim,
o inglês-americano;
e mais se acentuará
a divisão de classes sociais,
por passar a ser impossível
aprender a pronúncia
supostamente correcta
das classes superiores
(no nosso caso,
o português de Coimbra;
pelo menos,é a única estação
ferroviária em que se percebe
o que dizem aos microfones!)
:(
António Valera, vamos então a Heidegger com Heidegger, assim:
«O carácter misterioso pertence à estância da origem da linguagem. Ora isso implica o seguinte: a língua só pode ter começado a partir do prepotente e do inquietante, na partida do homem para o ser. Neste pôr a caminho, a língua, na medida em que nela o ser se torna palavra, foi poesia. A língua é a poesia original, na qual um povo diz o ser. Inversamente, a grande poesia, por meio da qual um povo entra na história, é o que começa a dar forma à língua desse povo. Os Gregos, com Homero, criaram e conheceram esta poesia. A língua estava presente ao seu ser-Aí como partida no ser, como uma moldagem do ente, que revela o ente.»
Um abraço e obrigada.
Francisco, muito obrigada.
Natália só houve uma (e que falta me fazia outra igual agora!), e o que podemos fazer é respeitar a língua escrita e falada, pelo menos em sua memória.
Um excelente 2010 para si também.
Abraço.
vbm (Vasco), nem sabe quanto lhe agradeço o seu comentário. É que chego a pensar que tenho algum problema auditivo porque não entendo, por vezes, o que as pessoas dizem! E como Coimbra fica longe, não pude ter essa experiência do bem falar português :)
Muito obrigada e um bom ano para si.
Abraço.
Maria Josefa,
Saudosa Natália Correia.
Nunca falamos sobre isso, mas fica a saber que sou absolutamente contra o acordo ortográfico.Não aceito a descaracterização , mais uma vez, da nossa língua.
Para ser sincero até lhe posso dizer que é a unica coisa, tirando a parte cultural de excelência, em que estou perfeitamente de acordo com o Vasco Graça Moura.
Mais um abraço.
Muito obrigada, Miguel.
Escrevi sobre o acordo ortográfico há já muito tempo, no Direito e Avesso, sob o título "Esta língua que nos divide" e fui das primeiras seis mil a assinar a petição contra o mesmo.
Um abraço.
Olá Josefa
Lindo poema da Natália à nossa "língua". A língua é feita pelo povo, não é constante, é mutável. Mas o acordo ortográfico impõe-nos a língua de outros, não será?
Um abraço
Benjamina, mesmo sem nos apoiarmos em estudos muito sofisticados sobre a evolução das línguas, e aqui estamos a falar apenas das línguas vivas (não do Grego antigo, nem do Latim), é evidente que o Português escrito por Fernando Pessoa obedecia a uma norma diferente da do Português que escrevemos agora e no qual podemos ler o que Pessoa nos deixou (o que não nos impede de ler os seus manuscritos e compararmos essa evolução), e que é apenas um exemplo de que as línguas não são estáticas mas vivas. Mas uma coisa é a língua portuguesa continuar a sua evolução natural como o tem feito ao longo de séculos, outra coisa é "decretar" uma alteração que, para mim, não faz sentido.
Beijinhos.
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