quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A generosidade e o rancor - Crónica de Baptista-Bastos

«E, de repente, abriu-se o caminho de uma vida generosa. O português com extremas dificuldades veio socorrer o português com fome. A grande força espiritual que se move nas horas de desespero, e parecia ameaçada de inanidade, irrompeu no último fim-de-semana. Uma ruptura surda com a indiferença, uma explosão de solidariedade, a contrariar os sinais do tempo e a cupidez que nos tem sido inculcada. As toneladas de comida entregues ao Banco Alimentar podem não constituir a fulguração de uma felicidade perpétua, mas representam sentimentos que rasgam os silêncios de uma sociedade cercada.
A ideologia dominante, que estimula o individualismo, a insensibilidade social e a neutralidade cívica, não sai derrotada desta acção, nem esta experiência de generosidade resolve o drama português. Se a boa vontade não é esclarecida, e os limites do amparo não forem definidos pela política, o balanço da iniciativa apenas momentaneamente é positivo.
O sistema de ganância, de dissolução de valores, destruiu os laços relacionais formativos dos povos e das instituições. É necessário não só renunciar mas, sobretudo, combater esta doutrina que não concilia o respeito mútuo com a dimensão e as exigências civilizacionais. As nossas heranças só serão desiguais quando desinvestimos no carácter humanista da condição a que pertencemos. As decepções e as insatisfações permanentes talvez justifiquem algumas das nossas debilidades morais, como a indiferença ante o sofrimento dos outros. Mas não podem nunca caucionar a duplicidade dos nossos comportamentos nem a capitulação das nossas batalhas. (…)»
Nota: Como o parágrafo sobre o rancor tem como alvo Miguel Sousa Tavares, não tem lugar aqui, é uma questão entre ambos, podendo todo o texto ser lido no DN.

4 comentários:

Manuela Freitas disse...

Olá Josefa,
Também li a notícia sobre a adesão dos portugueses ao Banco Alimentar e é assim daquelas notícias que me consolam, este país não é assim tão individualista e egoísta como é habitual generalizar! Há um voluntariado crescente e activo, uma preocupação pelo outro e enfim também há aquelas pessoas que só trabalham com números e parecem ser indiferentes ao que esses números representam caso a caso!
Penso que pouco a pouco as pessoas estão a ficar mais sensíveis às situações!
Bj,
Manuela

Maria Josefa Paias disse...

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Olá Manuela,

Vou já responder antes que me apareçam mais trabalhos:)

Fez um retrato muito bom do que se passa na realidade e nos casos concretos. E são esses que são válidos. E é reconfortante sabermos que há pessoas maravilhosas com quem se pode contar nos momentos difíceis. Este ano, além de terem aumentado os contributos para o Banco Alimentar, também apareceram mais voluntários do que os necessários, o que é uma atitude oposta ao do individualismo.

Obrigada e beijinho:)

Eduardo Miguel Pereira disse...

Estou em perfeita sintonia com o comentário da Manuela Freitas.
E na verdade, uma parte considerável do nosso povo tem dado, nos ultimos tempos, sinais francamente positivos de solidariedade e de sentido cívico, o que me deixa com um sorriso de esperança para o futuro.
Ainda este ano, a acção Limpar Portugal, na qual participei activamente, foi um momento de assinalável solidariedade, civismo e de entrega às nobres causas, que deixa aberta uma enorme janela de esperança para um Portugal melhor.

Maria Josefa Paias disse...

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Obrigada, Eduardo.

Há que ter esperança e, ao mesmo tempo, trabalhar para isso.

Beijinho :)