sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O justo e o legal - Crónica de Viriato Soromenho Marques

«É uma das distinções clássicas, que, depois de aprendida na escola, vamos experimentando, com mais ou menos indignação ao longo da vida: nem sempre o que é conforme ao direito é conforme à justiça. Nem sempre o que é legal (quid juris) é justo (quid jus). Nas vésperas de um ano, que antes de ter começado já se antecipa como terrível pelas perdas de rendimento que vai impor à maioria das famílias portuguesas, fomos informados da intenção manifestada por numerosas empresas, incluindo empresas públicas, de antecipar a distribuição de dividendos das mais-valias, de modo a que estes não sejam objecto das obrigações fiscais a que os mesmos seriam sujeitos se a sua distribuição ocorresse, como seria normal, em 2011.
Para quem não pode pedir o recebimento antecipado dos salários do próximo ano, de modo a evitar as reduções que estão previstas no pacote de austeridade chamado Orçamento do Estado de 2011, esta excepção legal já seria revoltante. Contudo, ela é ainda mais triste por constituir, na situação de emergência em que vivemos, uma espécie de evasão fiscal com luz verde de quem a deveria impedir. O que está em causa nem é, sobretudo, a importância dos montantes que não vão ser cobrados pelo fisco, mas a confirmação de que uma parte significativa da elite económica e política deste país se julga fora do contrato social, considerando a sua posição favorável não como uma responsabilidade de exemplo e solidariedade para com os demais, mas como um privilégio a usar e abusar.
Não admira que Portugal tenha caído seis lugares no índice de desenvolvimento humano da ONU, ficando à beira de sair da lista dos primeiros 42 classificados. Se existisse um índice de ética pública, não estaríamos certamente em melhor lugar.»

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4 comentários:

Eduardo Miguel Pereira disse...

Estou, como é obvio, em total acordo com a crónica aqui postada.
Mas o mais triste de tudo, foi ver a forma como o actual governo, em particular na pessoa de Francisco Assis, defenderam desenfreadamente a "legalidade" desta tremenda injustiça.
Espero que o povo tome bem nota de todas estas medidas e atitudes, para que no próximo acto eleitoral não cometa os erros do passado.

Maria Josefa Paias disse...

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Como a crónica do Prof. Soromenho-Marques é anterior aos factos a que se refere, e trata, em termos gerais, do que é legal e do que é justo, que, na vida diária, nem sempre coincidem, qualquer extrapolação para decisões políticas posteriores são da sua responsabilidade e não da dele.
Por outro lado, desde Outubro que a PT publicitou a atribuição extraordinária de dividendos este ano por causa da venda da sua parte na Vivo à empresa espanhola, pelo que temos que nos questionar, num tempo em que alguns políticos não cumprem o que prometem, o que ficariam os mercados a pensar da PT se começasse também a não cumprir os compromissos. Não esquecendo que a PT está em vários países e tem accionistas nacionais e estrangeiros e, até agora, tem sido considerada um empresa credível.
Fiquemo-nos, então, pelos conceitos de "legal" e de "justo" e da sua problemática, bem como a pertinência do texto sobre este assunto, que foi de facto o que me levou a publicá-lo.

Micael Sousa disse...

Isto só revela que, por melhores, mais completas e ajustadas que sejam as nossas leis, em Portugal a Ética fica sempre a perder. Temos de ensinar, consciencializar e reforçar a ética pessoal e social, caso contrário sairão leis e tudo ficará na mesma.

Manuela Freitas disse...

Olá Josefa,

«uma espécie de evasão fiscal com luz verde de quem a deveria impedir»

Absolutamente certo... e há mais... assim vamos...
Bj,
Manuela