domingo, 4 de julho de 2010

Giorgio Agamben - "Maneries"

Com alguma frequência uso a expressão «a minha maneira de ser», e ao ler este excerto do livro de Giorgio Agamben, "A comunidade que vem", fiquei um pouco apreensiva com a ideia de que o que me gera é a minha maneira de ser e isso "é a única felicidade verdadeiramente possível".
«É um ser deste género que Plotino devia ter em mente quando, ao procurar pensar a liberdade e a vontade do uno, explicava que não se pode dizer dele que "aconteceu ser assim", mas apenas que "é como é, sem ser dono do próprio ser"; e que "não permanece na sua própria condição, enquanto tal, mas usa-se a si tal como é" e não é assim por necessidade, na medida em que não podia ser de outro modo, mas porque "assim é o melhor".
Talvez o único modo de compreender este livre uso de si, que não dispõe porém da existência como de uma propriedade, seja pensá-lo como um hábito, um ethos. Ser gerado pela própria maneira de ser é, de facto, a própria definição do hábito (por isso os gregos falavam de uma segunda natureza): ética é a maneira que não nos acontece nem nos funda, mas nos gera. E o serem gerados pela própria maneira é a única felicidade verdadeiramente possível para os homens».

De "A comunidade que vem", Editorial Presença, Lisboa,1993, tradução de António Guerreiro,  Capítulo VII, pp. 29/30.

3 comentários:

Manuela Freitas disse...

Eu também costumo dizer «a minha maneira de ser», porque não quero agradar a «gregos e a troianos», mas ser coerente comigo própria. Obviamente que nunca cheguei a um aprofundamento filosófico, como a Josefa expôs e que gostei de ler.
Beijinhos,
Manuela

Maria Josefa Paias disse...

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Manuela,

Aqui, o que, num primeiro momento, me deixou apreensiva, foi a afirmação de que este ser como somos, este ethos, que nos gera, ser a única felicidade verdadeiramente possível, à qual eu respondi de mim para mim: então estou bem arranjada! :))

Mas como os gregos fazem a distinção de uma segunda natureza, a que corresponde esta "maneira de ser" própria de cada um, e que nos pode proporcionar essa felicidade que usualmente tratamos em termos de "coerência", "estarmos bem com a nossa consciência", etc., e que não raras vezes nos pode trazer infelicidade quando no contacto com os outros, porque não nos compreendem, então há que apelar à outra natureza para avaliarmos os prós e os contras de sermos como somos ou se há algum ajustamento a fazer. E muitas vezes temos necessidade de fazer esses ajustamentos para, não deixando de ser como somos, conseguirmos interagir com outros muito diferentes de nós. O que não é fácil e pode levar a uma "solidão", de certo modo também escolhida e necessária.

Espero não ter complicado o tema:))

Obrigada e beijinho.

Manuela Freitas disse...

Obrigada Josefa, não complicou nada, percebi perfeitamente!
Beijinho,
Manuela