Li com estupefacção alguns blogues com textos indignadíssimos por o Jornal Nacional das sextas-feiras na TVI, apresentado por Manuela Moura Guedes, ter acabado por decisão da PRISA, uma empresa privada. Os mesmos blogues que tinham feito de Manuela Moura Guedes o alvo de todas as críticas, algumas muito pessoais e de gosto duvidoso, durante meses, e os textos estão aí para o comprovar. Se estão apenas preocupados com o emprego dela, brevemente aparecerá noutro órgão de comunicação social, é só esperar mais um pouco.
Esta capacidade de argumentação para defender algo e o seu contrário existe desde que o ser humano existe, e há mais de cento e setenta anos que Arthur Schopenhauer, no livro Dialéctica Erística, da Editora Campo das Letras, desmontou esses estratagemas. E porque neste período pré-eleitoral normalmente agrava-se essa tendência, achei particularmente interessante o texto que está na capa do livro, que transcrevo: «Debates televisivos, talk shows de diversa índole, polémica política, oratória e retórica jurídicas, negociações económicas e laborais e até conversas entre amigos ou mesmo familiares são exemplos frequentes da manipulação argumentativa utilizada por um ou, por vezes, por todos os falantes. O tratado de Schopenhauer, escrito há mais de 170 anos, é, hoje em dia, particularmente actual, já que constitui um breve compêndio para desmascarar os "truques" ilícitos utilizados para provar qualquer tese.»
Quanto ao conteúdo do livro, não resisto a transcrever algumas observações de Schopenhauer ao estratagema 30:
«"Dizemos que é correcto o que parece ser para a maioria" (Aristóteles, Ética a Nicómaco, X, 2, 117 2b 36). Efectivamente não existe nenhuma opinião, por absurda que seja, de que os homens não aceitem como própria se, na hora de os convencer, se argumentar que ela é universalmente aceite. O exemplo é de igual modo eficaz nos seus pensamentos e nos seus actos. São como ovelhas que seguem o carneiro aonde quer que ele vá: é-lhes mais fácil morrer do que pensar.» (p. 75)
«Resumindo: muito poucos são capazes de pensar; no entanto, todos querem ter opiniões; e, assim sendo, não será mais fácil ficar com as dos outros do que criá-las eles próprios? Perante estes factos, que valor poderá ter agora a verdade de cem milhões de pessoas?» (p.76)
«Intellectus luminis sicci non est recipit infusionem a voluntate et affectibus (o intelecto não é uma luz que arda sem azeite, precisa de ser alimentado pela vontade e pelas paixões - Bacon, Novum Organon I, 49).» (p.82)
3 comentários:
Fiquei com muita curiosidade nesse Tratado de Schopenhauer... :) Há muito que espero ver nos escaparates, designadamente na editora RÉS, o seu "Mundo, como Vontade de Representação" que nunca li :(, mas não há meio de aparecer!
A Manuela Moura Guedes não tinha interesse nenhum como jornalista, poderia quando muito assinar uma página de investigação (jornalística) do Freeport e sobre nada mais deveria despejar os seus preconceitos e opiniões.
Contudo, uma coisa censuro à generalidade dos jornalistas: não ousam reportar notícias diferentemente ordenadas e destacadas uns dos outros: têm medo de perda de audiências e não se atrevem nem sabem como ganhá-las sobre os demais orgãos noticiosos! Não se destacam uns dos outros!
É uma excelente leitura, em qualquer altura. Nesta fase, extremamente útil e apropriada. Consegue clarificar algumas zonas obscuras da argumentação e contra-argumentação, política e não só, como bem refere.
Deixo um abraço :)
vbm, muito obrigada pelo seu comentário.
O Tratado de Schopenhauer encontrei-o aqui na Biblioteca Municipal (que engloba Carnaxide, Oeiras e Algés), pelo que se você tivesse cartão de leitor de uma delas poderia requisitá-lo. Quanto ao "Mundo como Vontade e como Representação", tenho a tradução fancesa, em papel de bíblia, com 1434 páginas, dos tempos da faculdade, e, se quiser ver apenas um fragmento deste livro, eu fiz uma citação, neste blogue, a 9 de Agosto, com reflexões de Schopenhauer sobre o que é a vida e em que, no título, coloquei entre parentesis e em português: (nascimento e morte, a vida). Tenho outro em castelhano: "Sobre la voluntad en la naturaleza" (Sobre a vontade na natureza), que é possível que haja em português, com pouco mais de 200 páginas e que pode constituir uma boa introdução ao outro e ao pensamento do filósofo nesta área, porque ele escreveu sobre muitos assuntos.
Sobre a Manuela Moura Guedes, não a aprecio particularmente, do mesmo modo que não aprecio televisão. Só vejo o indispensável e no mais curto espaço de tempo possível, por um lado, para não ficar completamente fora do que se passa, já que cortei com os jornais há 7 ou 8 anos por trazerem notícias do dia anterior e passarem o tempo a corrigir notícias infundadas e, por outro, para poder formar a minha própria opinião do estado da coisa.
Creio que foi anteontem que vi e ouvi um convidado do Rodrigues Guedes de Carvalho, depois do jornal das oito na SIC, e de que não fixei o nome, dizer que nas confrontações entre o poder político e a comunicação social, o poder política fica sempre a perder. Portanto não é preciso dizer mais nada.
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