Para assinalar o dia 22 de Fevereiro de 1788, deixo apenas alguns excertos do livro Dialéctica Erística, de Arthur Schopenhauer, Editora Campo das Letras, e, como sempre, as minhas escolhas para reflexão não são inocentes.
«"Dizemos que é correcto o que parece ser para a maioria" (Aristóteles, Ética a Nicómaco, X, 2, 117 2b 36). Efectivamente não existe nenhuma opinião, por absurda que seja, de que os homens não aceitem como própria se, na hora de os convencer, se argumentar que ela é universalmente aceite. O exemplo é de igual modo eficaz nos seus pensamentos e nos seus actos. São como ovelhas que seguem o carneiro aonde quer que ele vá: é-lhes mais fácil morrer do que pensar.» (p. 75)
«Resumindo: muito poucos são capazes de pensar; no entanto, todos querem ter opiniões; e, assim sendo, não será mais fácil ficar com as dos outros do que criá-las eles próprios? Perante estes factos, que valor poderá ter agora a verdade de cem milhões de pessoas?» (p.76)
«Intellectus luminis sicci non est recipit infusionem a voluntate et affectibus (o intelecto não é uma luz que arda sem azeite, precisa de ser alimentado pela vontade e pelas paixões - Bacon, Novum Organon I, 49).» (p.82)
8 comentários:
Bom dia, Maria Josefa,
Não sei se estou de acordo, completamente, com o afirmado, pois, a meu ver, tal poria em em questão situações como por exemplo, a validade da representação popular, isto no campo da política.
O nosso Pessoa apresenta ideias idênticas no "Caso mental português" principalmente quando se refere aos "provincianos".
Posta a questão, e até porque não conhecia,como sempre, vou indagar e depois mais lhe direi.
Um abraço.
Olá, Josefa :)
A Dialéctica Erística de Schopenhauer é uma excelente leitura, sendo espantoso como resiste ao tempo, mantendo-se extremamente actual.
É uma belíssima escolha sua, como sugestão de leitura, para de algum modo enfrentar, com a desejável lucidez, o nosso tempo de hoje.
É sempre um prazer partilhar as suas sempre oportunas reflexões :)
Um abraço
Viva Josefa,
Há dois dias que dei conta deste post mas só agora consegui o quarto de hora necessário para alinhar ideias a respeito do mesmo. Vamos ver se sou capaz de o fazer sem me alongar muito, coisa de que peço adiantadamente desculpa se acontecer, mas a minha cara senhora terá que admitir que nos apresentar desafios difíceis para exercitarmos as nossas reflexões.
Este Bacon é o Francis, um dos produtos de pensamento que desaguou da avalanche modeladora que foi toda a agitação renascentista em que o vértice do olhar passou a ser o Homem. Foi uma viragem ou, se quiser, uma viagem sem retorno na direcção do indivíduo, já visível na vontade de que afinal depende sempre o exercício de usar o intelecto na prospecção e entendimento do meio envolvente e daquele em que nos inserimos e a quem Descartes apontara já a existência de e apenas enquanto ser pensante. Foi sem dúvida uma das fontes de um Spinoza que poucas décadas depois da sua morte haveria de identificar no Estado a nobre função de proteger justamente esse indivíduo na pessoa de cada súbdito, o mesmo que o Iluminismo viria a contextualizar na sua complexidade social e que o século dezanove viria a considerar na sua singularidade trágica de ser consciente e obreiro de si. Foi este o dilema em que se viu achado Schopenhauer.
Este, por sua vez, foi um pessimista no sentido filosófico em que se questiona a possibilidade de acedermos à verdade e é daí que seguramente deriva a sua atitude de repulsa para com os semelhantes –não era ele que apontava a vontade como negativa e fonte de problemas, pelo que só abdicando daquela se poderia chegar ao bem?- e, por reflexo, este seu desdém pelo homem comum de quem ele, como o excerto que a Maria Josefa nos apresenta bem ilustra, duvidava da capacidade para pensar e equacionar pensamentos próprios.
Não sou perito na matéria e muito menos especialista em Schopenhauer que li na juventude e de cuja obra, em conformidade, me restam fragmentos no cérebro que de modo algum posso estar certo de saber tratar a preceito. Tanto quanto me é dado avaliar, não saberei dizer se aquela perspectiva ganhou forma na sequência da construção do seu próprio pensamento filosófico, se por via das vicissitudes da sua vida particular, na qual teve a figura da mãe como objecto de desafectos e mau relacionamento. É certo que ele foi um apaixonado pelas civilizações do Oriente e teve nas “Upanishades” uma das suas leituras de referência, sabedoria essa em que se dá a tensão entre polaridades positivas e negativas como factor fundamental da vida e em que, ao considerar o Universo um todo em que o uno é igual às partes que o compõem que, por sua vez, em si transportam todas as características daquele, se anula dessa forma a noção de indivíduo. Mas, apesar de, por exemplo, um Nietzche ter derivado desse pessimismo para com o indivíduo as teses do Super-Homem que definiu em Zaratrusta, também não deixa de ser verdadeiro que nem todo o pessimismo filosófico confluiu para uma atitude de tão radical repulsa para com os homens, como o deixaram claro os fundadores dos Estados Unidos da América cujas reservas os levaram a tentar criar mecanismos de equilíbrio para os poderes e limites para as acções de cada um sobre os outros.
RW
(continuação)
Para ser sincero e num aparte, nem sei como Schopenhauer pode ter sido um admirador de Kant.
Mas atenção, não deixa de ter uma certa razão naquilo que defende a respeito da dificuldade que existe para que cada um pense pela sua própria cabeça e nesse sentido teve até seguidores remotos e indirectos como o insuspeito Wilhelm Reich que, na primeira metade do século vinte e a partir da sua formação de médico psicanalista e dos seus trabalhos de investigação nesta área do conhecimento, viria a questionar essa mesma faceta do homem comum. Prosaicamente, o carneirismo ou, por outras palavras, a vulgaridade de pensarmos pela cabeça dos outros. Quanto a isto diria que ele foi certeiro e, de certa maneira, foi premonitório dos tempos que correm em que até a publicidade é uma fonte de difusão de pensamento e de condicionamento de comportamentos. Sem embargo, devemos ter em conta que o homem era anti-democrático –ele abominou a revolução de 1848 em que o parlamentarismo veio a substituir o despotismo esclarecido dos imperadores da Prússia que unificaram os principados de língua alemã e criaram o novo estado que dá pelo nome de Alemanha- pelo que, muito provavelmente, esta sua pertinente e arguta observação poderá estar mais relacionada com a sua posição política do que decorrer do seu pessimismo filosófico propriamente dito.
Pessoalmente não sei se poderemos alguma vez almejar um mundo em que todos ou, pelo menos, a larga maioria das pessoas sejam cidadãos capazes de pensarem pela sua própria cabeça. Pelo que me é dado ver no mundo que rodeia e nos meandros daquele que tenho percorrido, diria que o uso do pensamento é muito mais difícil do que à partida possa parecer e implica requisitos que –isto em defesa do homem vulgar e sem recursos de vida que são quatro quintos da Humanidade- infelizmente não estão de igual maneira distribuídos nem pelo planeta, sequer no interior de cada país. Com isto não estou a cair naquela posição relativista em que tudo se desculpa em função das condições de vida, mas apenas a questionar-me se alguma vez será dada ao Homem a oportunidade, pelas suas capacidades inatas, de criar um mundo perfeito como seguramente seria aquele em que todas as pessoas tivessem a possibilidade de usufruir das ferramentas do pensamento. Honestamente não sei.
Estaremos assim perante a impotência, não haverá alternativa ao beco sem saída que desta forma a minha observação coloca? Boas perguntas, mas necessariamente para reflexões seguintes.
Por agora aqui termino, com a sensação de que me alonguei demais, mas, para minha tristeza, tenho que confessar não ser capaz de fazer melhor, especialmente ao nível da síntese. Por isso peço desculpa.
Um resto de uma boa semana de trabalho para todos e particularmente para a Maria Josefa que presenteia, toda a tranquilidade da paz e muita saúde para a gozar
Rudolfo Wolf
Pessimista, tanto na vida como na ideia filosófica, não é ,confesso, um dos meus filósofos favoritos.
Mas como a MªJOSEFA fala dele, com admiração, eu, que não o conheço suficientemente, para me alongar, vou procurar informar-me, melhor.
Obrigada pelo estímulo!
BEIJO DE
LUSIBERO
Busco comprar essa "Dialéctica Erística" mas infelizmente, as livrarias actuais viraram lojas de venda à consignação de produtos tipografados mostrados ao público durante um período definido, findo o qual os referidos artefactos - que parecem livros! - são transformados em papel reciclado...
- De qualquer modo, deixei a 'encomenda' na Bulhosa :)
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Miguel, Ana Paula, Rudolfo, Lusibero (Maria Ribeiro) e vbm (Vasco), muito obrigada pelos vossos comentários e contributos a partir destes excertos de Schopenhauer e a que não me foi possível responder a cada um individualmente.
De facto, continuamos a verificar todos os dias que nos diversos tipos de relacionamento humano, incluindo o político, as pessoas, umas mais do que outras, estão expostas às mais diversas tentativas de manipulação.
Para o Rudolfo, posso indicar dois pequenos livros de Schopenhauer onde ele aborda os aspectos da filosofia de Kant que apreciava: "Da Necessidade Metafísica" e "Esboço de História da Teoria do Ideal e do Real (Dos «Parerga e Paralipomena»)".
Obrigada e abraços.
Viva Josefa,
Muito obrigado pela recomendação que me deixou.
Infelizmente já são muito raras as ocasiões em que me posso dar ao luxo de ler pelo mero prazer que isso nos proporciona, mas registo as referências e a seu tempo procurarei os respectivos exemplares e procederei às leituras correspondentes.
Creio até que, em certa medida, elas se enquadram em determinados aspectos das necessidades que, a esse nível, se me vão colocando.
Fosse como fosse, aqui sempre teria que ficar a expressão do reconhecimento pela sua simpatia.
Um resto de semana de paz, para si e muita saúde para a gozar
Rudolfo Wolf
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