Há anos que os sinais da evolução do Estado português para a condição de Estado exíguo, isto é, com uma relação deficitária entre recursos e objectivos imperativos da governação, cresciam de aviso e de significado. Nesta data, em que a invocação da soberania repetidamente aflora como defesa contra as consequências das debilidades, e para impedir a erosão da igual dignidade na comunidade internacional, a circunstância de que sem capacidades não existe real estatuto internacional igual, implica assumir o dever da solidariedade de todas as forças políticas para que, adoptando uma plataforma comum, reponham a confiança da população e tornem aceitáveis, com determinação, os sacrifícios exigíveis, remetendo para outro plano de intervenção constitucional a averiguação e imputação de culpas, de imprevisão, de falta de autenticidade, e de má governança.
A restauração do valor da confiança na relação global do Estado com a sociedade civil continua a ser a maior exigência no sentido de conseguir a mobilização das vontades dos cidadãos para que não se agravem nem as carências nem os temores, estes piorados pelo diálogo tantas vezes mais descredibilizante dos adversários do que esclarecedor das circunstâncias. Não parece de ignorar que por todo o Ocidente, e portanto também pela Europa, a debilidade das lideranças é evidente e preocupante, que a sociedade civil europeia mostra em vários lugares a insatisfação, agravando os medos, por uma desobediência civil violadora de todas as regras do civismo responsável.
Tardam a aparecer as vozes renovadoras e mobilizadoras das solidariedades e das esperanças que deram provas de capacidade quando a devastação da última guerra exigiu enfrentar um desastre sem comparação com a crise actual, vozes que não eram as dos responsáveis pelo cataclismo, era uma nova geração de cidadãos que não rejeitava os cargos políticos, as dificuldades, nem as definições de novos futuros. A questão do Estado social ameaça desenvolver-se ao contrário desta exigência, quando a sua principiologia é indicativa e não imperativa, vem na Carta dos Direitos Humanos e diplomas complementares da ONU, e está plasmada nos assumidos Objectivos do Milénio, dos quais a ONU não desiste embora lute pelos meios que escasseiam. Não pode exigir-se o seu desenvolvimento quando os meios, mas não a vontade, evidentemente faltam, mas renunciar aos princípios é como que deitar fora a esperança, sem a qual enfraquece a determinação cívica. A sociedade civil tem o dever e o poder de abrir caminho a uma nova geração de responsáveis, de mobilizar o civismo dos melhores para não recusaram os cargos políticos, e não ficar submetida a um dogma de enquadramento partidário inviolável que não vigora nos Estados parceiros da União. Porque, se a situação conhecida é grave, a prospectiva não é animadora de uma melhoria próxima, nem o futuro das próximas gerações lhes pode ser anunciado fácil. Mas sem a reposição da confiança na relação entre a sociedade civil e o Estado, em todas as vertentes da soberania e da administração autónoma ou não autónoma, é difícil que a decisão de os melhores ficarem não seja ultrapassada pela vontade crescente de partirem em busca de outro futuro e segurança.
A regra de que o subdesenvolvimento tem a sua mais grave expressão no facto de a sociedade precisar do técnico, ter o técnico, e não ter emprego para o técnico, parece animar a emigração dos quadros. Numa circunstância em que a fronteira da pobreza, que, durante o século passado, o PNUD desenhava excluindo a cidade planetária do Norte, abundante, afluente, e consumista, está a deslocar-se para o Norte do Mediterrâneo, onde não abundam as vozes que assumam responsabilidades pelo desastre do globalismo económico e financeiro sem governança, e o aparecimento de responsáveis da nova geração, determinados, competentes, e desassombrados, que não esqueçam os imperativos do humanismo, tarda a verificar-se. A sociedade civil tem o dever de tentar abrir caminho a uma nova geração de responsáveis, que coloque um ponto final na decadência dos ocidentais.
Texto no DN de hoje
4 comentários:
Olá Josefa,
Estive a ler o artigo e o mesmo foca questões, realmente muito pertinentes. Desde a «restauração do valor da confiança na relação global do Estado com a sociedade civil», à renovação política, à criação de condições, para que os nossos cérebros, não se passem para o estrangeiro e tudo o mais. Admiro a forma como Adriano Moreira analisa e pondera as situações. Tenho que confessar que durantes uns tempos, não parava para o ouvir ou ler, mas uma ocasião aconteceu e foi para mim uma revelação! Estas coisas acontecem quando uma pessoa às vezes anda com ideias feitas, «MEA CULPA, MEA MAXIMA CULPA»!
Beijo,
Manuela
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Olá Manuela,
Aprecio de há muito Adriano Moreira como pessoa, como Professor, e estou atenta ao que diz e escreve. Talvez porque tenho, logo à partida, uma simpatia especial por pessoas serenas, comedidas nas palavras e nos gestos, e, quando a isso, se junta uma capacidade de análise inteligente, então estou conquistada!
Por outro lado, já deve ter reparado, que não me interessa o quadrante em que "etiquetaram" as pessoas, políticos ou não, mas o conteúdo das suas afirmações :))
Beijinho.
Uma análise acurada, realista e inteligente, e que, confeso, me levou a pensar de imediato, e à medida que me ia aproximando do fim do texto onde ele frisou a necessidade da sociedade cívil produzir novos líderes responsáveis, na candidatura do Dr. Fernando Nobre à presidência da Republica.
Não terá sido essa a sua intenção, ao escrever o que escreveu (ou terá ?), mas a verdade é que as circunstâncias actuais, e o ineditismo duma candidatura totalmente fora das esferas dos aparelhos partidários, como a do Dr. Fernando Nobre, encaixam perfeitamente no texto do Dr. Adriano Moreira.
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De facto, Adriano Moreira, gostaria que Portugal tivesse uma sociedade civil mais activa, mais participativa, e, para tanto, os elementos educação/formação são imprescindíveis. E neste aspecto estamos muito atrasados, para não dizer que estamos num "buraco" de que é difícil sair.
Mas também é um facto que, de entre a muita mediocridade que nos rodeia, sobressaem alguns jovens com um entendimento das coisas e uma visão para o futuro muito interessantes, bem fundamentados, e é nesses em quem Adriano Moreira aposta para que se opere alguma mudança, se os deixarem, acrescento eu, uma vez que não estão a fazer uma carreira política nas "jotas" dos Partidos.
Abraço e bom Domingo, Eduardo :)
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