«Depois do que precede, talvez convenha tratar da moderação e dizer o que é, em que casos se manifesta e a que se aplica. A moderação é uma qualidade do homem que exige menos do que o que poderiam oferecer-lhe os seus direitos fundados na lei. Há muitas coisas, em relação às quais o legislador é impotente para determinar casos particulares, abordando-as apenas de uma maneira geral. Prescindir do seu direito neste género de coisas e não pedir mais do que aquilo que o legislador pretendera, mas que não pode precisar em todos os casos particulares apesar do seu desejo, é fazer um acto de moderação. Mas o homem moderado não reduz indistintamente todos os seus direitos; assim como não reduz em nada dos que deve à natureza, e que são verdadeiramente direitos; apenas reduz os seus direitos legais, aqueles que o legislador, devido à sua impotência, deixou por especificar.
A equidade, que assegura a rectidão do juízo, aplica-se aos mesmos casos que a moderação, quer dizer, aos direitos não especificados pelo legislador, que não conseguiu determiná-los com precisão. O homem equitativo julga sobre os vazios deixados pela legislação e, reconhecendo estes vazios, insiste em que o direito que reclama tem fundamento. O discernimento é, pois, o que constitui o homem equitativo. E, assim, a equidade, que distingue exactamente as coisas, não pode existir sem a moderação; porque ao homem equitativo e de bom senso corresponde julgar os casos, e ao homem moderado agir de acordo com o juízo formado desta maneira.»
in La Gran Moral, Livro Segundo, Capítulos I e II, Espasa-Calpe, 6.ª ed., Madrid, 1976
(tradução minha)
7 comentários:
O português antigo tem uma palavra que hoje em dia caiu em desuso, mas que é especialmente expressiva quando se fala em Justiça: «temperança». Julgo que esta palavra reúne os dois aspectos: equidade e moderação. É uma das «investigações» que gostaria de fazer, mas ainda não tive tempo...
Vejo que temos ambas um fraquinho muito grande pelo Aristóteles... :-)
Bj
Nicolina,
A temperança é abordada no Capítulo XX da obra que citei. Aristóteles utiliza-a quando se refere a prazeres dizendo que a temperança se situa entre o desregramento e a insensibilidade.
Hoje também lhe podemos chamar moderação, comedimento, sobriedade.
De facto, em muitos aspectos, Aristóteles é um tesouro.:-)
Bj
E o homem justo, vítima de uma suspeita de crime, deve defender-se respeitando a natureza e a lei, que investiga os crimes por indícios observados e segundo regras de procedimento dadas. Julgado inocente, ou culpado e com pena cumprida, tem direito ao respeito dos outros.
Quando mencionei a temperança estava a pensar no sentido que a palavra tinha nas Ordenações, quando era usada para indicar uma das qualidade necessárias para se ser um bom juiz, julgo que por influência de Marco Aurélio [que as enunciou], mas não tenho a certeza. Concluo do que refere que Aristóteles também usa a palavra temperança mas associa-a aos prazeres dos sentidos. O que às vezes acontece é que a tradução varia, ou seja, o que é referido por temperança numa tradução pode aparecer sob a designação de moderação numa outra tradução. Não sei grego, gostaria de saber, mas provavelmente já não vou a tempo de aprender e tenho pena. Mas confesso que a «temperança» referida nas leis portuguesas antigas é um conceito que me intriga. Será que a Josefa pode ajudar-me?
Bj
Nicolina, estou à sua disposição para pesquisar este assunto.
Quando tiver encontrado alguma coisa pertinente na legislação portuguesa antiga, transmitir-lhe-ei.
Bj
Nicolina,
Como não passo muito tempo online, porque prefiro os livros em papel, poderei adiantar em relação à questão da temperança, que em grego é sophrosyne e em latim é temperantia.
No dicionário que tenho que é de grego-francês, sophrosyne significa: 1.º moderação; sageza/sabedoria; modéstia; castidade; 2.º bom senso. Existe também a palavra sophronistéryon que significa casa de correcção, portando com ligação à problemática judicial. Desculpe não apresentar os termos também com a grafia grega mas apenas a transliteração, mas não a tenho no computador.
Recolhi também elementos da história do direito na Idade Média em Portugal até à formação do 1.º corpus autóctone, chamado "Livro das Leis e Posturas", do final do séc XIV, mas como essa informação é um pouco extensa vou enviar-lha por mail.
Depois disso feito, há que ver se se encontram os respectivos conteúdos na Internet.
Bj
Fico-lhe muito grata pela sua preciosa orientação. Registo o que me diz e um dia destes irei à procura.
Bj grande
Nicolina
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